O Globo, n. 31496, 31/10/2019. Economia, p. 19

Tendência de queda

Renata Vieira
Leo Branco
João Sorima Neto


O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central cortou ontem a taxa básica de juros de 5,5% para 5% ao ano. Foi a terceira queda seguida da Selic, que está no menor nível já registrado, e a autoridade monetária já indicou que há espaço para reduzila a 4,5% em dezembro. Mas o BC condiciou a “consolidação da queda da taxa de juros estrutural” à continuidade da agenda de reformas econômicas, e os analistas debatem agora até onde irá o ciclo de afrouxamento.

Em comunicado, o Copom justificou a decisão afirmando que a inflação está em nível confortável e, diante de cortes de juros nos países desenvolvidos por causa da desaceleração global, o ambiente está relativamente favorável às economias emergentes.

“O Comitê avalia que a consolidação do cenário benigno para a inflação prospectiva deverá permitir um ajuste adicional, de igual magnitude”, antecipou o Copom, alertando, porém, para a incerteza que ainda ronda o cenário externo.

Essa foi a primeira reunião do Copom após a aprovação da reforma da Previdência, que deve proporcionar economia de R$800 bilhões em dez anos à União e ampliar o espaço para diminuição dos juros no longo prazo. Mas o comitê reforçou a importância de novas reformas. Embora o Copom não tenha citado nenhuma especificamente, o governo tem uma agenda de reformas com mudanças no pacto federativo, no funcionalismo, no sistema tributário, além de medidas de controle de gastos e aumento do repasse a estados e municípios.

“O Copom avalia que o processo de reformas e ajustes necessários na economia brasileira tem avançado, mas enfatiza que perseverar nesse processo é essencial para permitira consolidação da queda da taxa de juros estrutural e para a recuperação sustentável da economia”, disse o comunicado.

Dúvida sobre inflação

O Copom ainda se reúne mais uma vez este ano, e as projeções do mercado são de uma Selic encerrando 2019 a 4,5%. Mas os economistas divergem sobre onde o ciclo de cortes vai terminar.

Alessandra Ribeiro, da consultoria Tendências, só vê espaço para juros abaixo de 4,5% se o ajuste das contas públicas avançar com as reformas.

— Há ainda uma ociosidade considerável na economia brasileira que deve encerrar só em 2023. Agora, o Banco Central precisa ainda estudar os efeitos de uma Selic tão baixa na inflação —acrescentou.

Para Sergio Vale, da MB Associados, o Copom foi explícito em sinalizar que quer parar em 4,5% o ciclo de corte. Mas ele pondera que as reduções podem terminar em 4,75%.

— De qualquer maneira é um alerta para que as reformas continuem sendo feitas, para que se consolide a queda de juros de forma permanente —afirmou.

Para a economista Giulia Coelho, da 4E, o choque inflacionário da retomada da economia em 2020 deve vir mais forte do que o previsto pelo mercado. Por isso, a consultoria prevê uma Selic de 4,75% em dezembro e uma elevação gradual ao longo de 2020 para perto de 6,5%, patamar em que estava em agosto.

André Perfeito, da corretora Necton, prevê, no entanto, que a Selicca irá mais duas vezes até fevereiro, in doa 4,25%. Ele também espera que a taxa comece a subir em 2020, “uma vez que a economia já estará dando sinais mais claros e robustos de retomada econômica”, mas estima que ela fechará o ano que vem em 4,5%.

Para o economista-chefe da Austing Rating, Alex Agostini, o BC sinaliza certo nível de preocupação com um cenário de juros tão baixos, que podem oferecer risco de alta da inflação no longo prazo.

— Esse terreno desconhecido, de juro tão baixo, exige bastante cautela do BC. Ele chega a um ponto que não sabe se o copo está meio vazio ou meio cheio. Ainda assim, teremos um último corte (em dezembro) —disse o economista.

De fato, em uma observação que não constava do último comunicado do Copom, o comitê sinalizou ontem que o corte dos juros demora a ter impacto na economia, o que pode elevar a inflação.

“O atual grau de estímulo monetário, que atua com defasagens sobre a economia, aumenta a incerteza sobre os canais de transmissão (dos juros) e pode elevar a trajetória da inflação no horizonte relevante”,diz o comunicado.

Fed também corta

Para Alberto Ramos, do Goldman Sachs, com a inflação controlada e os primeiros sinais de retomada econômica, a questão a ser enfrentada pelo BC é conter o otimismo do mercado financeiro —alguns

analistas chegaram a especular juros de 3% em 2020, disse Ramos. Segundo ele, esse patamar é insustentável diante das pressões inflacionárias esperadas de uma retomada na atividade.

— O desafio do BC agora é manter a taxa de juros num ritmo em que possa manter a credibilidade no combate à inflação —afirmou ele.

Após a decisão do Copom, os bancos anunciaram reduções nos juros de suas linhas de crédito a partir de segunda-feira. O Itaú informou que repassará integralmente o corte de meio ponto percentual para o empréstimo pessoal e para o crédito a capital de giro. O Bradesco prometeu reduzir suas taxas na mesma proporção.

O Banco do Brasil anunciou cortes nas taxas para pessoas física e jurídica e para o agronegócio. Para compra de veículos leves, por exemplo, os juros cairão de 0,77% para 0,6% ao mês na faixa mínima.

Ontem, o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) cortou juros pela 3ª vez no ano, para o intervalo de 1,5% a 1,75%. Com o novo estímulo americano, o dólar fechou em queda de 0,4%, a R $3,987, e a Bolsa de São Paulo bateu novo recorde, encerrando com alta de 0,79%, aos 108.407 pontos.

Estímulo para a economia

O corte de juros ajuda a impulsionar o crescimento da economia. Com custo do financiamento menor, consumidores tendem a comprar mais, e empresas, a investir. A recuperação da economia depois da recessão tem sido a mais lenta da História. Foi a atividade fraca e a inflação sob controle — 2,89% em 12 meses até setembro, abaixo da meta de 4,25% — que permitiram que os juros caíssem. Essa redução dos juros que deve se prolongar este ano e no próximo fez o mercado aumentar a previsão de crescimento da economia. Na média de cem consultorias e bancos, a estimativa passou de 0,87% para 0,91%, mas há economistas prevendo mais de 1%.

Custo para o governo

A combinação de inflação baixa e menores taxas de juro também alivia os custos para o governo se financiar no mercado. Três quartos da dívida pública brasileira são indexados à Selic. A despesa do governo com os juros de sua dívida somou R$ 349,2 bilhões nos últimos 12 meses, equivalente a 4,96% do PIB. Em janeiro de 2016, quando a taxa estava em 14,25% ao ano, o governo gastava 9% do PIB com os juros da dívida, ou R$ 539,98 bilhões em 12 meses. Mesmo com juros caindo, como o governo ainda gasta mais que arrecada, a dívida pública é crescente.

Crédito imobiliário

Os empréstimos imobiliários são os mais rapidamente afetadas pela queda da Selic. Hoje, 70% desses empréstimos são concedidos pela Caixa . No ano até agosto, eles cresceram quase 13% em comparação com 2018, mais que o dobro do ritmo geral do crédito. As taxas médias de juros anuais estão na faixa de 8%, uma das mais baratas disponíveis. Este ano, a Caixa já fez três rodadas de cortes. Especialistas estimam que uma queda de dois pontos na Selic dá a 500 mil famílias por ano a oportunidade de comprar a primeira casa. Mas desemprego alto e PIB fraco são freios a uma expansão maior.

Financiamento para empresas

Com juros mais baixos, as empresas conseguem empréstimos mais baratos e são favorecidas pela redução do chamado risco-país. Assim, fica mais fácil obter crédito bancário e financiamento via mercado de capitais. Até setembro, a emissão de títulos por empresas movimentou R$ 268,9 bilhões, um salto de 42% frente a 2018.A queda de juros também aumenta a atração de investidores para financiar as empresas. Os fundos de investimentos lastreados em debêntures (títulos de dívida) estão recebendo cada vez mais recursos. Nas ofertas de ações por empresas, brasileiros têm sido os principais investidores.

Investimentos menos rentáveis

Os poupadores brasileiros se acostumaram a investir em títulos da dívida pública, altamente seguros e rentáveis. Mas isso mudou com a queda da Selic, que remunera a maior parte dos títulos Não por acaso, os brasileiros sacaram quase R$ 15 bilhões este ano (até agosto) da Poupança, migrando para aplicações com maior potencial de retorno - e, logo, maior risco. Mais de R$ 660 bilhões foram aplicados em fundos de investimentos, segundo a Anbima. As ações passaram a ser uma opção atraente, e o número de investidores pessoa física saltou 64% na Bolsa entre janeiro e agosto, chegando a 1,3 milhão.