O Globo, n. 31443, 08/09/2019. País, p. 12

Após derrotas, MPF vive crise e clima de desânimo
Aguirre Talento


Após sucessivas derrotas na última semana, procuradores do Ministério Público Federal (MPF) de diferentes instâncias e locais têm afirmado que a instituição vive a sua “pior crise” e dizem que o clima interno é de “desânimo total”.

Os três fatos considerados derrotas para a categoria são os vetos do presidente Jair Bolsonaro à lei de abuso de autoridade — insuficientes para procuradores que atuam em investigações criminais —, a indicação de um novo procurador-geral da República fora da lista tríplice e, por último, a demissão coletiva do grupo da Lava-Jato da gestão da atual procuradora-geral Raquel Dodge. Alguns pontos mantidos na lei de abuso, como a possibilidade de punição caso uma investigação demore muito tempo ou caso um inquérito seja aberto sem “qualquer indício da prática de crime”, deixaram procuradores receosos. A avaliação deles é que a lei abre brecha para um entendimento subjetivo que possa resultar em punições e no cerceamento das investigações.

— Os colegas estão se sentindo desestimulados e vão começar a pedir desligamento das forças-tarefas das operações diante dos desgastes — afirmou um procurador, sob condição de anonimato.

Sabatina neste mês

Dodge havia recomendado a Bolsonaro o veto total à lei aprovada pelo Congresso, mas o presidente não acolheu o pedido. Bolsonaro vetou 36 pontos, mas isso não agradou nem aos agentes de investigação e nem ao Congresso, que tem o poder de derrubar os vetos.

No caso da indicação de Augusto Aras para comandar a Procuradoria-Geral da República (PGR), a insatisfação da categoria não se refere especificamente ao seu nome, mas sim ao processo de indicação. Além do fato de ele não ter disputado a lista tríplice, causaram desconforto as declarações de Bolsonaro de que Aras foi escolhido porque teria compromisso de aliar desenvolvimento e preservação ambiental sem causar obstáculos ao governo.

Nas redes sociais, procuradores citaram que a forma de escolha mostrava o “desprezo” de Bolsonaro pela instituição. A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) anunciou que começará uma mobilização contra a indicação de Aras, que ainda precisa ser aprovada no Senado. O presidente da ANPR, Fábio George Cruz da Nóbrega, aponta riscos à independência do MPF no processo de escolha:

— Há uma preocupação com as últimas declarações reiteradas do presidente da República. Ele vem dizendo que o PGR tem que ser uma pessoa afinada com ele e chegou a comparar o procurador-geral da República a uma dama, ele sendo o rei. Há uma incompreensão de como funcionam as instituições no estado democrático de direito.

Entre os procuradores regionais e subprocuradores, que têm mais antiguidade na carreira, a tônica do discurso é aceitar a indicação e atuar pela pacificação. Aras tem bom trânsito com essa ala. Em grupos internos, esses procuradores mais antigos fizeram manifestações de apoio e apelos pela união do MPF. “A hora é de união, e não de hostilidades, para que possamos ultrapassar as dificuldades internas da carreira, que são muitas”, escreveu em uma mensagem interna o procurador regional Sidney Madruga, que trabalhou na área eleitoral na gestão de Dodge.

Aras começa a se dedicar nesta semana à sabatina que enfrentará na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Ele telefonou na noite de quinta-feira para a presidente da CCJ, senadora Simone Tebet (MDBMS), e disse que buscará os 81 senadores para se apresentar e expor suas ideias. A previsão da senadora é que a sabatina e a votação ocorram até o final deste mês. O mandato de Dodge termina em 17 de setembro. Nesse cenário, o provável é que haja um período de transição sob a gestão do interino Alcides Martins, que ocupa automaticamente o cargo por ser vice-presidente do Conselho Superior do MPF.

A gestão de Dodge deve disponibilizar apoio institucional durante a transição e para o processo de sabatina, incluindo a assessoria parlamentar da PGR. A expectativa de fontes da atual gestão é que o processo de transição ocorra sem percalços e seja menos conflituoso do que a mudança de Rodrigo Janot para Dodge, marcada por desconfianças e desavenças entre eles.