O Globo, n. 31496, 31/10/2019. Sociedade, p. 26

Personalizado

Bruno Alfano
Paula Ferreira


Paulo César Nogueira Cabral, de 56 anos, e Isabela Andrade Barros, de 21, poderiam ser colegas de classe. Ambos são alunos do 7º período de Contabilidade na Universidade Estácio de Sá. Mas ele decidiu estudar na sala de casa. Ela, na sala de aula. E, por motivos diferentes, cada um está satisfeito com as suas escolhas —que eles explicam no terceiro dia da série de reportagens de O Globo sobre educação à distância (EaD).

— Pela minha idade, com a garotada em volta, aquele burburinho na sala de aula, acabaria me atrapalhando — conta o servidor público Paulo César: — Separei um lugar na minha casa só para estudar. Gosto do silêncio. Já Isabela, logo após terminar o ensino médio, decidiu seguir no modelo tradicional justamente pela necessidade de socialização.

— Não tinha muita experiência quando saí da escola. Avaliei que na faculdade teria contato com professores e alunos com maior vivência no mercado. Isso de fato aconteceu, e estou aproveitando ao máximo—conta a jovem,que hoje trabalha em uma multinacional de auditoria.

Os benefícios, porém, vêm com uma dose de sacrifício. A distância do Centro, onde trabalha, até a unidade de Jacarepaguá dura uma hora e meia de ônibus. Depois, mais 35 minutos para chegar em casa, também no coletivo.

— Escolhi estudar de noite desde o início porque me facilitava conseguir estágios — diz Isabela, que chegou a faltar algumas aulas quando conseguiu o novo emprego: — Justifiquei, no entanto, todas as ausências. Fiquei pegada no trabalho, mas agora já consegui organizar meus horários.

Já formado em Administração, em curso presencial, Paulo César, por sua vez, consegue distribuir o horário do modo que lhe é mais conveniente. Prefere cursar apenas uma disciplina por vez — com dedicação total entre dez e 15 dias até fazer a prova. É o momento em que precisa comparecer presencialmente ao polo da Ilha do Governador.

— Estudo seguindo as aulas disponibilizadas, lendo a bibliografia e os textos disponíveis. Além disso, a faculdade tem um sistema com questões simulando uma prova para testar o conhecimento. Faço até 700 exercícios de uma única disciplina —afirma.

Quando não se sente bem ou está ocupado demais, Paulo César não cabula aulas: simplesmente não abre as disciplinas, e mesmo assim não perde os conteúdos. Ele só precisa compensar o tempo de estudo nos próximos dias.

— Faço minhas aulas em tudo quanto é horário. Hoje, por exemplo, comecei a estudar de manhã e devo voltar à noite.

Estudo um pouco, faço minha ginástica, cumpro as minhas tarefas, volto para casa e estudo um pouco mais. Às vezes, estou estudando, a cabeça esquenta demais e dou uma paradinha para voltar outra hora —explica. Isabela não vê tanta vantagem assim. Para ela, a sala de aula traz benefícios que valem o deslocamento.

— Em contabilidade, a gente mexe muito com contas. Na sala de aula, o professor usa um data show, abre um programa, como o Excel, e a gente vai acompanhando o uso das fórmulas. Isso me ajudou demais a entender a prática —avalia a estudante.

Pesquisa de qualidade

Uma compilação de dados do último ciclo de Pedagogia do Enade, realizado em 2017, feita pelo doutor em Educação pela PUC-SP Adriano Coelho, mostrou que 32% dos 10.055 cursos presenciais foram “reprovados”. Ou seja, obtiveram conceitos 1 e 2. Já no ensino à distância, o percentual foi de 44% dos 516 cursos avaliados.

O próprio pesquisador alerta, no entanto, que a análise do desempenho dos estudantes é a que mostra um cenário mais próximo da realidade.

Os mais de 10 mil cursos presenciais avaliados no último Enade concentraram 63.580 alunos, enquanto os cursos de EaD registraram 69.170. Com esse recorte, a diferença de desempenho entre os dois modelos se alarga, com 29% dos estudantes do presencial reprovados contra 62% no modelo à distância.

A explicação, segundo Coelho, é que o problema está nos cursos de EaD com um número gigante de alunos. Isso, para ele, afeta inevitavelmente a qualidade:

— As instituições que elaboraram um curso na modalidade EaD com 40 alunos têm feito um trabalho de qualidade. Mas a maioria dos grandes grupos do ensino superior privado optou por cursos em larga escala. Quem foi para essa linha ficou com notas 1 e/ou 2. Hoje, os 30% de alunos que tiram nota boa estão concentrados em universidades voltadas para um mercado menor — avalia o especialista.

Em relação à evasão, também há diferenças entre os modelos. Estudo feito pelo matemático Paulo Presse, responsável pela área de mercado da Hoper Educação, com base em informações do Censo da Educação Superior e da base de dados da consultoria, indica que a evasão dos cursos presenciais flutua, dependendo do curso, entre 46% e 52%. No caso dos de EaD, o índice vai de 53% a 62%.