O Globo, n. 31559, 02/01/2020. País, p. 4

Um tuíte da esplanada a cada 40 minutos

Marlen Couto



Principal palanque do presidente Jair Bolsonaro desde a campanha eleitoral, o Twitter se tornou central para o primeiro escalão do governo federal no ano passado — parte dos ministros, inclusive, só aderiu à rede social após ingressar no posto — e deve continuar assim em 2020. Foi por meio da plataforma que Bolsonaro e seus principais auxiliares mobilizaram os apoiadores mais fiéis ao governo, divulgaram agendas e pautas específicas das pastas e também responderam a crises e críticas que os atingiram, como no caso das mensagens vazadas atribuídas ao ministro da Justiça, Sergio Moro, e dos protestos contra cortes na educação que respingaram no ministro Abraham Weintraub.

Ao longo de 2019, 12 perfis pessoais de ministros com contas na rede social postaram, em média, a cada 40 minutos e foram capazes de gerar 37,3 mil retuítes por dia. Os dados foram levantados a pedido do Globo pela Diretoria de Análise e Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV/DAPP).

Foi no Twitter também que ministros que já deixaram seus postos foram fritados, às vésperas de serem demitidos. Gustavo Bebianno, ex ministro da Secretaria Geral da Presidência, e primeira baixa da gestão Bolsonaro, foi contestado na rede social pelo filho do presidente, o vereador do Rio Carlos Bolsonaro (PSC). O general Santos Cruz, que ocupou a Secretaria de Governo, também foi alvo de ataques de aliados do governo no Twitter.

O levantamento da FGV/ DAPP aponta ainda que as páginas pessoais dos ministros costumam ser mais populares que perfis institucionais dos ministérios na rede social. O total de retuítes dos perfis dos ministros analisados foi quatro vezes maior que de outros 12 perfis institucionais das pastas. As páginas oficiais, comandadas por assessores, geraram apenas 8,3 mil compartilhamentos diários, apesar de somarem o dobro de publicações, contra 37,3 mil das contas pessoais dos ministros.

ESTRATÉGIA PROBLEMÁTICA

Entre os ministros do governo Bolsonaro, o que mais utilizou a plataforma para se comunicar no ano passado foi o titular da Educação. Nomeado para o cargo em abril, Weintraub, que tem 417,4 mil seguidores e adota na descrição do seu perfil o lema “meu Twitter, minhas regras”, fez cerca de 11 publicações por dia no ano passado. Em seguida, despontam no ranking de ministros com mais postagens na rede social Tarcísio Gomes de Freitas, da Infraestrutura, e Damares Alves, dos Direitos Humanos, com quase cinco publicações por dia cada, Osmar Terra, da Cidadania, com três, e Marcos Pontes, da Ciência e Tecnologia, também com quase três, em média.

O cientista político Rafael Sampaio, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), aponta que os ministros procuram se comunicar diretamente com a população por meio da plataforma e evitar os questionamentos da imprensa. Contudo, essa estratégia pode se revelar problemática porque o governo acaba falando com um eleitorado “já convertido”:

— Você fala diretamente com a população e, ao mesmo tempo, tem mais controle, o que não acontecia no mundo sem internet. No Twitter, você pode escolher os melhores comentários e responder. Não é como uma coletiva de imprensa, que você tem certa obrigação de responder tudo. Além disso, há a facilidade de pregar para convertidos. Você tem um público que não quer ouvir o outro lado, mais disposto a receber aquela mensagem — afirma Sampaio.

Em termos de engajamento, o ministro do governo Bolsonaro com maior impacto no período foi Sergio Moro, da Justiça e Segurança Pública, com 3,5 milhões de retuítes. O ministro entrou na plataforma em abril e viralizou depois de compartilhar uma foto com um calendário para provar que era ele mesmo quem acabava de entrar na rede social. Oito meses depois, Moro soma 1,8 milhão de seguidores no Twitter. O ministro usou a plataforma em 2019 principalmente para defender a aprovação do pacote anticrime no Congresso. O projeto acabou virando lei, mas algumas das suas propostas mais importantes, como a prisão após segunda instância e a excludente de ilicitude para agentes de segurança pública, ficaram de fora.

A publicação de Moro com maior engajamento do ano passado, porém, nada tem a ver com o tema. Em novembro, sem citar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Moro rebateu críticas feitas pelo ex-presidente durante um discurso em São Bernardo do Campo (SP), após deixar a prisão. “Aos que me pedem respostas a ofensas, esclareço: não respondo a criminosos, presos ou soltos. Algumas pessoas só merecem ser ignoradas”, disse o ministro da Justiça na ocasião.

Estilo nas redes

Também se destacam em capacidade de gerar retuítes Freitas (1,96 milhões) e Onyx Lorenzoni (1,83 milhões), da Casa Civil, seguidos por Weintraub e Damares. As postagens com maior engajamentos resumem o estilo dos ministros na rede social. Enquanto o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, aborda o orçamento reduzido “aprovado no governo anterior” para investir em estradas, Damares costuma fazer publicações religiosas e em defesa dos “valores da família”. Em abril, a ministra compartilhou um vídeo em que super heróis dos quadrinhos reverenciam uma cruz com a frase “Jesus, meu herói”. A postagem teve 23,6 mil retuítes e 101 mil curtidas.

Já a publicação do ministro da Educação com maior engajamento comemora o fim do contingenciamento de recursos para universidades federais. “Cadê os especialistas que alardeiam o caos há seis meses? Vão admitir que erraram?”, perguntou. O tom irônico é uma marca de Weintraub no Twitter. Em agosto, ele ironizou manifestações contra cortes na educação ao publicar uma foto de um ato em São Paulo e comparar o número de participantes com a torcida da Portuguesa, time que disputa a segunda divisão do campeonato paulista. Em novembro, respondeu a um seguidor que o chamou de “bobo da corte” dizendo que prefere cuidar dos estábulos porque “ficaria mais perto da égua sarnenta e desdentada da sua mãe”.

Onyx, por sua vez, costuma retuitar postagens do presidente Jair Bolsonaro: foram 152 vezes em um ano. Sua postagem com maior engajamento é de janeiro de 2019. Na ocasião, usou o Twitter para dizer que Bolsonaro havia ligado para todos os candidatos à Presidência do Senado, “num gesto de respeito à instituição”, depois que um telefonema do presidente para o senador Renan Calheiros (MDB-AL), então candidato ao comando da Casa, ser divulgado pela imprensa. Davi Alcolumbre (DEM-AP) foi eleito.