O Globo, n. 31443, 08/09/2019. Mundo, p. 34

Filha da Brigitte Macron lança campanha contra misoginia


Tiphaine Auzière, filha da primeira-dama da França, Brigitte Macron, iniciou uma campanha contra a misoginia na esteira das ofensas dirigidas à sua mãe pelo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e mais recentemente pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

Sem mencionar diretamente Bolsonaro, Guedes ou a própria mãe — mas segurando a impressão de uma manchete de um site de notícias na internet que anuncia "Brigitte Macron é 'verdadeiramente feia', diz ministro de Bolsonaro" —, Tiphaine questionou em vídeo publicado na sua conta na rede social no Twitter nesta sexta-feira o fato de "líderes políticos" ainda atacarem uma mulher por sua aparência.

— Nós estamos em 2019 e líderes políticos atacam uma mulher pública pelo seu físico. Isso existe ainda, vocês me perguntam? Sim! — afirma Tiphaine, filha do primeiro casamento de Brigitte e advogada.

Embora admita que a França também não seja um exemplo na questão, citando casos de ataques de políticos de seu país a mulheres — como as vaias de deputados contra a colega Cécile Duflot em 2012 ou os gritos de "galinha" do deputado do extinto partido de centro-direta Movimento pela União Popular Philippe Le Ray direcionados à também deputada ecologista Véronique Massonneau em 2013 —, Tiphaine convocou seus seguidores a lutarem contra a misoginia com a hashtag #balancetonmiso ("denuncie a misoginia", em tradução livre).

— Vamos investir em nossas famílias, em nossas empresas, e nas urnas porque, todos juntos, vamos denunciar nossos misóginos — conclui.

Em entrevista ao jornal francês "Le Parisien", Tiphaine esclareceu que resolveu tomar a iniciativa por decisão pessoal.

— Diante das notícias, como mãe de uma menininha, filha de uma mãe insultada e advogada que defende mulheres, queria falar contra esta misoginia e este sexismo ordinários — disse.

As ofensas seguidas contra Brigitte também atraíram críticas de outras figuras de destaque na política da França. Ainda no Twitter, o deputado Jean-Luc Mélenchon, líder do movimento de esquerda França Insubmissa, publicou mensagem à primeira-dama em que destaca que muitos brasileiros estão "indignados" com as declarações de Bolsonaro e Guedes e ofereceu solidariedade. "Sinta-se fortalecida em nosso nojo por estes brutos", completou.

Já Valérie Pécresse, presidente da assembleia regional de Île-de-France, que inclui Paris, questionou "qual o problema do governo brasileiro?". "Depois de Jair Bolsonaro, o ministro da Economia? Bando de grosseirões grotescos! Quando insultam Brigitte Macron, são todas as francesas que se sentem insultadas", acrescentou, também no Twitter.

Ofensas em série

As ofensas de autoridades brasileiras relacionadas à aparência de Brigitte Macron tiveram início no domingo retrasado. Então, Bolsonaro endossou um comentário de um internauta na sua página no Facebook em que zombava da mulher do presidente francês, Emmanuel Macron, que havia criticado a reação do governo brasileiro à disparada nas queimadas na Amazônia este ano.

No comentário, um seguidor do presidente brasileiro publicou montagem com as fotos dos dois casais, trazendo de um lado Macron e Brigitte, 24 anos mais velha que o marido, e do outro, Bolsonaro e Michelle, 27 anos mais jovem que ele, acompanhada da legenda: “Agora entende por que Macron persegue Bolsonaro?”. Ao que o presidente brasileiro respondeu: “Não humilha cara. Kkkkkkk”. Dias depois, Bolsonaro alegou que não queria ofender Brigitte, mas repreender o seguidor para que não falasse "besteira", e apagou o post.

Já a ofensa de Guedes veio em uma tentativa do ministro em minimizar os comentários do chefe. Em palestra a cerca de 600 empresários em Fortaleza na última quinta-feira, Guedes listou ações da equipe econômica nos últimos meses e afirmou que, apesar dos avanços, a imprensa prefere noticiar as declarações polêmicas do presidente.

— O que vejo nos jornais é que ele (Bolsonaro) xingou a (Michelle) Bachelet, e que chamou a mulher do (presidente Emmanuel) Macron de feia. É feia mesmo, não é nenhuma mentira — disse.

Questionado ao fim do evento se a fala tinha sido um endosso das declarações de Bolsonaro, Guedes primeiro se irritou, alegando ter dito isso em "tom de brincadeira". Posteriormente, porém, ele acabou se desculpando em um comunicado.

“O ministro Paulo Guedes pede desculpas pela brincadeira feita hoje [quinta-feira] em evento público em Fortaleza (CE), quando mencionou a primeira-dama francesa, Brigitte Macron. A intenção do ministro foi ilustrar que questões relevantes e urgentes para o país não têm o espaço que deveriam no debate público. Não houve qualquer intenção de proferir ofensas pessoais”, diz a nota divulgada pelo Ministério da Economia ainda na quinta.