O Globo, n. 31443, 08/09/2019. Economia, p. 30

‘O embargo pode ocorrer de forma seletiva’
Entrevista: Mauro Mendes


Governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM) vai discursar na ONU no dia 23, véspera da aguardada fala do presidente Jair Bolsonaro na abertura da Assembleia Geral da entidade em Nova York. À frente de um estado no qual a agricultura e a pecuária estão entre os principais setores, Mendes se viu tragado pela polêmica envolvendo o aumento do desmatamento este ano — de janeiro a agosto, o número de focos de incêndio na Amazônia chegou a 46.825, mais que o dobro de 2018. As queimadas ganharam dimensão global quando o presidente francês, Emmanuel Macron, colocou o tema na pauta do G7, o grupo das nações mais ricas.

Desde então, marcas famosas, como H&M, Timberland e Vans, anunciaram o boicote temporário ao couro produzido no Brasil. Eleito na onda bolsonarista, Mendes adota tom mais conciliatório do que o do presidente. Ao mesmo tempo, argumenta que, no eventual caso de um embargo, europeus e americanos deveriam fazer uma distinção entre estados que concentram a maioria das queimadas e outros em que o desmatamento é mais controlado. “O embargo pode ocorrer de forma seletiva”, disse.

Mato Grosso foi apontado por ONGs internacionais como bom exemplo ambiental em plena crise das queimadas na Amazônia. A situação no estado é diferente?

Nós temos aqui uma grande produção agrícola, somos o maior produtor de soja, de algodão, de milho, o maior rebanho bovino. E 63% do nosso território são absolutamente preservados.

O senhor vai assinar o compromisso de desmatamento zero?

Em um primeiro momento nós vamos trabalhar incansavelmente para combater o desmatamento ilegal. Já estamos fazendo um trabalho para garantir o desmatamento ilegal zero. Agora, temos, pelas leis brasileiras, que são das mais restritivas e rigorosas do mundo, o direito de desmatar e abrir novas áreas. Se o mundo quer preservar isso, ele tem que pagar por isso também.

O senhor vai pedir uma compensação financeira pela manutenção das florestas?

Exatamente, porque a nossa lei autoriza qualquer proprietário de terra a desmatar 65% do cerrado e 20% da Floresta Amazônica. Se tem alguém no Brasil ou no mundo disposto a ajudar a pagar essa conta, nós topamos, e eu tenho certeza de que muitos proprietários vão topar. Agora, ficar só no discurso, dizendo que temos que preservar, isso é inaceitável também.

É possível para o estado acessar recursos de países como a Alemanha, rejeitados pelo governo federal?

Temos o mais moderno sistema de controle e monitoramento do desmatamento. Isso foi feito com dinheiro do KFW, um banco alemão. Temos algumas políticas em curso que estão sendo apoiadas com recursos internacionais, e nós queremos receber este dinheiro.

Mas será possível receber estes recursos com o bloqueio do governo federal?

Vamos fazer a nossa parte. Tenho certeza de que o mundo vai reconhecer o nosso esforço, o governo federal vai reconhecer o nosso esforço de fazer uma agricultura sustentável, de preservar, mas também de nos ajudar na lição de casa.

O senhor discursará na ONU um dia antes de Bolsonaro, que deverá ser muito cobrado por questões relativas ao ambiente. O senhor fará um contraponto ao presidente?

Não tenho essa pretensão. Estarei lá para falar de nossas potencialidades.

Bolsonaro sugeriu que parte das queimadas poderia ter sido provocada por ONGs. O senhor acredita nisso?

Imagino que, se o presidente fez as afirmações, ele deve ter algum elemento que suporte essas declarações. Eu, particularmente, não tenho nenhum elemento neste sentido.

A atual crise ambiental prejudica Mato Grosso?

Tenho absoluta certeza de que sim. Todos nós temos que cuidar muito da nossa imagem. Uma mulher, quando vai ao salão, se maquia, está cuidando de sua imagem, pois quer ser bem vista por si mesma e por todos aqueles que estarão ao seu redor. Não é diferente se é uma mulher, um homem, uma empresa ou um país. O meio ambiente é o abre-alas do comércio internacional.

A crise já afeta o estado?

Afeta, pois pode desencadear não só uma reação de países, algo menos provável, mas uma reação de consumidores no exterior contra produtos brasileiros. Isso seria um desastre para nosso país e uma catástrofe para Mato Grosso, que depende muito das exportações agrícolas.

O senhor acredita ser possível descolar a imagem de Mato Grosso da do Brasil?

É muito difícil fazer isso. Mas o mundo também precisa comprar os alimentos brasileiros. Retirar o país do mercado de proteínas vegetais e animais interessa a nossos concorrentes, mas não aos clientes, pois eles pagarão um preço muito mais alto, e isso é ruim para muita gente.

Poderia haver uma solução como no caso da febre aftosa, em que alguns estados podem exportar e outros não?

Um embargo ambiental seria altamente indesejado para o país. Mas eu desejo que o Brasil possa recuperar sua imagem. O ideal é que o Brasil não sofra consequência por um embargo, muito menos ambiental. Mas, se alguém tiver problema em algum estado, não é justo que outros, que estão cumprindo seu papel, como é o caso de Mato Grosso, paguem por isso.

Declarações do presidente Bolsonaro aprofundaram a crise ambiental?

Não podemos atribuir isso ao nosso presidente. Houve, ao longo de algumas semanas, encontros e desencontros de informações. As redes sociais publicaram de uma maneira muito veloz verdades e mentiras, fotos que não retratavam a realidade. Isso criou um pânico, como se a Amazônia estivesse toda incendiada. Não era verdade, e estamos conseguindo mostrar isso.

A ação do presidente ajudou a resolver a crise?

É óbvio que tenho as minhas opiniões, mas, como governador, não compete a mim criticar o meu presidente. Tenho certeza de que não precisamos colocar mais lenha na fogueira. Temos que apagar os incêndios nas florestas e nos meios de comunicação.

O presidente questionou os dados de desmatamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) sobre desmatamentos e queimadas. Como o senhor avalia estes dados?

O Inpe é um instituto que tem a sua credibilidade, uma história longa de serviços prestados ao nosso país, e não estamos, de maneira alguma, questionando estes dados ou a metodologia. O que nós fizemos aqui foi estabelecer um sistema que monitora em tempo real, e o Inpe não tem este serviço.

Como avalia o governo Bolsonaro?

É um governo que tem muitos bons ministros. Passamos por uma profunda crise, andamos de lado e, em 2019, o país não encontrou ainda o caminho para o crescimento econômico, o que nos coloca em uma posição de grande risco e vulnerabilidade. Veja o que aconteceu na Argentina.

“Imagino que, se o presidente sugeriu que ONGs podem ter feito queimadas, ele deve ter algum elemento que suporte essas declarações. Eu não tenho”