O Globo, n. 31441, 06/09/2019. País, p. 4

Um PGR à moda Bolsonaro
Aguirre Talento
Gustavo Maia
Daniel Gullino
Jussara Soares


No mais conturbado processo de indicação do chefe da Procuradoria-Geral da República (PGR) da história da instituição, o presidente Jair Bolsonaro indicou ontem para a função o subprocurador Antônio Augusto Brandão de Aras, de 60 anos.

A indicação provocou protestos da categoria pelo desrespeito à lista tríplice formada em uma votação interna. Augusto Aras agora terá de passar por sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e ser aprovado pelo plenário para ser nomeado. Ainda não há data marcada para isso.

Nos últimos meses, Aras buscou conquistar a indicação de Bolsonaro com declarações que exprimiam alinhamento ideológico com o presidente. Ele citou o protecionismo ambiental como entrave ao desenvolvimento econômico, criticou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de criminalizar a homofobia e considerou “inaceitável” a ideologia de gênero.

A partir da próxima semana, Aras buscará contato com senadores para se apresentar e angariar apoio à aprovação. Até hoje, nenhum PGR indicado pelo presidente foi rejeitado pelo Senado. O mandato da atual procuradora-geral, Raquel Dodge, termina em 17 de setembro. Caso a indicação não seja aprovada até essa data, a instituição fica comandada interinamente pelo vice-presidente do Conselho Superior do MPF, Alcides Martins.

Aconselhado por aliados a submergir e evitar exposição pública, Aras fez apenas breves declarações após a indicação. À colunista do GLOBO Bela Megale, fez elogios a Bolsonaro:

— O presidente Bolsonaro é um homem do povo, que tem o espírito do brasileiro. As conversas sempre aconteceram de forma mais leve, menos inquisitorial.

Caso aprovado pelo Senado, Augusto Aras será o primeiro chefe da PGR desde 2003 a comandar a instituição sem ter integrado a lista tríplice, documento formado a partir de uma votação interna entre procuradores que indica ao presidente os três mais votados como os nomes escolhidos pelo Ministério Público Federal para comandar a instituição.

Em um evento no Ministério da Agricultura, Bolsonaro anunciou o nome de Aras e disse que sua escolha se justificou pelo fato de ele não ser radical nas questões ambientais.

Mais tarde, em transmissão ao vivo pela internet, Bolsonaro comentou as críticas que vinha recebendo pela indicação. Setores do Ministério Público reagiram com reclamações e foram acompanhados por muitos eleitores nas redes sociais.Grande parte dos críticos duvida do empenho de Aras no combate à corrupção.

“Paciência”

Bolsonaro pediu paciência aos apoiadores e chegou a solicitar que apagassem comentários críticos a ele:

— Eu peço a vocês. No Facebook, você fez um comentário pesado, retira, dá uma chance para mim. Você acha que eu quero colocar alguém lá para atrapalhar a vida de vocês? Não quero.

Antes, o presidente disse que deixaria de ver os comentários na rede social que estavam o “esculhambando”. Bolsonaro pediu ainda que as pessoas dessem uma chance para conhecer Aras antes de sair “atirando em cima” dele:

— Se o pessoal atirar em cima de mim, sem dar a oportunidade para o Augusto Aras mostrar o seu valor... pelo amor de Deus, aí fica ruim a convivência. Como tenho dito, eu devo lealdade ao povo mas não a lealdade cega que está do outro lado.

Bolsonaro voltou a dizer que escolheu um procurador que tenha nota sete em todos os quesitos, e não apenas dez no combate à corrupção.

— Pessoal, desculpa aí. Vamos ter paciência. O Brasil tem muita, mas muita coisa errada. Não vamos ter outra chance a não ser essa que Deus me deu. Você que votou em mim de graça, que trabalhou, que fez inimizades, que foi pra rua, que não queria mais o PT, continue me dando esse voto de confiança —completou.

O presidente disse ainda que cogitava reconduzir Raquel Dodge ao cargo, mas que ela se fragilizou com o pedido de demissão em massa da equipe de trabalho da Lava-Jato na PGR, na última terça-feira.