O Globo, n. 31441, 06/09/2019. País, p. 5

‘Sem liderança para comandar a instituição’
Amanda Almeida
Cleide Carvalho
Gustavo Maia


A indicação do subprocurador Augusto Aras para a chefia do Ministério Público Federal (MPF), a ser confirmada pelo Senado, provocou críticas na categoria. A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) divulgou ontem à noite uma nota na qual manifestou “absoluta contrariedade” com a indicação. O principal motivo das críticas é o fato de Aras não ter participado do processo eleitoral interno que resultou na lista tríplice recebida e ignorada pelo presidente Jair Bolsonaro.

“(Aras) Não possui qualquer liderança para comandar uma instituição com o peso e a importância do MPF”, diz a nota da ANPR, acrescentando que a escolha feita por Bolsonaro foi pessoal e “decorrente de posição de afinidade de pensamento”. A associação diz que a ação interrompe “um costume constitucional de quase duas décadas, de respeito à lista tríplice” e completa: “A escolha significa, para o Ministério Público Federal (MPF), um retrocesso institucional e democrático”.

O texto critica ainda o presidente Bolsonaro por ter dito que pretendia indicar um PGR que estivesse alinhado ideologicamente a ele. “O MPF é independente, não se trata de ministério ou órgão atrelado ao Poder Executivo”.

Terceiro colocado na votação interna do MPF, o subprocurador Blau Dalloul afirmou que Aras é uma “caixa preta” para a instituição.

— Temos uma instituição em que os indicados para esse cargo têm um caminho construído, tijolo a tijolo. Ele não se apresentou internamente, se apresentou externamente para os políticos. Esperávamos alguém pelo menos mais dentro da realidade do MPF. O doutor Augusto Aras é uma caixa-preta, e uma caixa-preta para o MPF é um retrocesso.

PGR “biônico”

Em nome da Lava-Jato no Paraná, o procurador Deltan Dallagnol ressaltou a importância da lista tríplice e escreveu: “Nos unimos à ANPR no debate pelo melhor para o país”.

No Senado, governistas disseram não temer problemas para a aprovação de Aras. Senadores de oposição o classificaram como PGR “biônico”, em referência a prefeitos e governadores que eram nomeados pelo governo federal durante a ditadura sem passar por eleições.

O que espera o próximo procurador-geral

Pacificar a crise interna

Se aprovado no Senado, Aras assumirá o MPF com resistência interna por não vir da lista tríplice. Procuradores de primeira e de segunda instância se manifestaram contra sua indicação. O provável novo PGR chega à instituição num momento de desgaste da atual PGR, Raquel Dodge, que na terça-feira enfrentou um pedido de demissão coletiva do grupo de trabalho da Lava-Jato. Caberá a Aras recompor a equipe de investigações criminais e recolocar a PGR em funcionamento.

Coaf

O julgamento no STF sobre o uso de dados do Coaf em investigações sem ordem judicial prévia pode ser um teste de fogo para demonstrar a independência de Aras em relação ao presidente da República. O tema envolve a investigação contra Flávio Bolsonaro no caso Queiroz.

Segunda instância

Outro julgamento importante no horizonte do STF é o da prisão após condenação em segunda instância.