O Globo, n. 31441, 06/09/2019. País, p. 6

Bolsonaro veta 36 pontos do projeto do abuso de autoridade


O presidente Jair Bolsonaro sancionou ontem o projeto que define o abuso de autoridade, vetando um terço do texto que havia sido aprovado pelo Congresso. Logo depois da divulgação do ato do presidente, que contém 36 vetos em 19 artigos, as reações começaram no Legislativo e entre os próprios seguidores de Bolsonaro nas redes sociais. Entre os dispositivos rejeitados estão o que obrigava o agente público ase identificar ao preso, o que proibia execuções de decisões judiciais de forma “ostensiva e desproporcional ”, o que punia o agente público que captasse ou permitisse a captação de imagens do preso ou investigado, e o que previa punição para o uso irregular de algemas.

Prevendo que sua decisão não seria popular, o próprio Bolsonaro se antecipou num pedido de desculpas. E admitiu também que os vetos desagradaram a integrantes do Congresso:

— Os meus vetos vão fazer muita gente importante do Parlamento ficar chateada comigo. Se eu quisesse fazer média com algumas pessoas, teria sancionado tudo. Iam fazer o quê? Não iam fazer nada. Aí sim acabaria a Lava-Jato. Então, paciência.

Mais cedo, durante uma cerimônia no Palácio do Planalto, Bolsonaro já havia adiantado que vetaria 36 itens:

— Não estou afrontando o Parlamento, nem quero fazer média com a população e nem ceder ao clamor de parte de muitos populares que pedem o “veta tudo”. Não sou radical.

A maior resistência aos vetos de Bolsonaro está na Câmara. Relator da proposta de abuso de autoridade na Casa, o deputado Ricardo Barros (PP-PR) considerou “lamentável” tantos vetos do presidente ao texto aprovado pelo Congresso e disse que caberá dos líderes partidários a decisão de derrubar ou não a decisão de Bolsonaro:

— São lamentáveis tantos vetos porque a lei foi votada em acordo com os líderes do Congresso, mas caberá a estes senhores líderes a decisão de como os partidos se posicionarão na sessão do Congresso Nacional.

Para o líder do PL na Câmara, Wellington Roberto (PB), a previsão é derrubar todos os vetos do presidente, exceto o sobre o uso de algemas.

— Ele está dentro da prerrogativa dele em vetar, e nós também estamos na nossa de analisar os vetos e derrubar — disse.

O líder do DEM na Câmara, Elmar Nascimento (BA), disse que “só é contra a lei de abuso quem comete abuso” e concordou, em uma “análise preliminar”, com apenas dois dos vetos.

Articulação no Senado

Na tentativa de vencer a resistência de deputados aos vetos de Bolsonaro, um grupo de senadores articulará, na semana que vem, pela manutenção da decisão do presidente.

— Queríamos que ele vetasse integralmente. Mas ele teve de tomar decisão política para não desagradar parte da Câmara. Meu entendimento é que continua uma porcaria — diz o líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP).

— O projeto foi feito com ódio de juiz, promotor e policial da Lava-Jato. Vamos brigar pela manutenção do veto — acrescentou.

Para a rejeição de um veto, é necessária a maioria absoluta dos votos de deputados (257) e senadores (41). E, se for registrada uma quantidade inferior de votos pela rejeição em uma das Casas, o veto é mantido.

O senador Marcos Rogério (DEM-RO) diz que os vetos serão analisados separadamente pelo Congresso:

— O papel do presidente é exercer o controle. E o papel do Congresso é manter ou derrubar. Naquilo que presidente tiver razão, nós vamos manter. Aquilo que o Congresso julgar que o o presidente extrapolou, derrubamos.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEMAP), disse não saber quando marcará a sessão do Congresso para apreciar os vetos. E lembrou que há outros na fila, além de projetos de lei.

— Não tenho previsão de marcar sessão do Congresso para a semana que vem, mas, se os líderes concordarem, na (próxima) terça-feira, que a gente tem que convocar para quarta, convocamos para quarta ou para quinta — disse. (Daniel Gullino, Jussara Soares, Amanda Almeida, Gustavo Maia, Naira Trindade, Natália Portinari)