O Globo, n. 31441, 06/09/2019. País, p. 7
Juízes lamentam veto a apenas 7 dos 13 sugeridos
Carolina Brígido
Juízes lamentaram ontem o fato de o presidente Jair Bolsonaro ter vetado apenas sete dos 13 pedidos feitos pela categoria. O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Jayme de Oliveira, disse que os pedidos da entidade foram no sentido de não criminalizar a atividade dos magistrados.
Um dos itens que não foram vetados pune o juiz que demorar de forma injustificada no exame de ação em pedido vista. Outro artigo mantido impede o início de investigação se não houver indício de crime.
— São medidas próprias da atividade jurisdicional que não deveriam ser criminalizadas. Quando muito, deveria ser uma infração administrativa, não criminal. A lei criminaliza a própria atividade de julgar — disse Oliveira.
Já o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Fernando Mendes, disse que há espaço para rediscutir a lei, mas não explicou de que forma a entidade atuará. Ele comemorou o veto ao artigo que considerava crime violar direito ou prerrogativa de advogado.
— Já existem no ordenamento jurídico mecanismos aptos a garantir as prerrogativas da advocacia — afirmou.
Os principais pontos rejeitados
Artigo 3º (veto ao artigo e a dois parágrafos):
A lei dizia que a denúncia de abuso de autoridade poderia ser feita pelo Ministério Público (MP) mesmo sem manifestação da vítima. E também poderia ser feita uma ação privada, se o MP não agisse a tempo.
Artigo 9º (veto ao artigo e a quatro itens):
Um dos artigos centrais da lei, previa pena de um a quatro anos de detenção e multa para quem decretasse prisão “em desconformidade com as hipóteses legais”. Este era um ponto muito criticado por procuradores e juízes. Eles reclamavam que os termos usados para descrever uma prisão ilegal eram muito vagos no texto.
Justificativa para vetar: Gera insegurança jurídica por depender de interpretação. E que isso poderia comprometer a independência do juiz ao proferir uma decisão, por receio de ser punido.
Artigo 11:
Previa pena de um a quatro anos de detenção e multa para quem fizesse “captura, prisão ou busca e apreensão de pessoa que não esteja em situação de flagrante delito ou sem ordem escrita de autoridade judiciária”.
Artigo 14 (veto ao artigo e ao parágrafo único):
Punição para quem fotografar ou filmar algum preso, internado, investigado, indiciado ou vítima sem consentimento ou com constrangimento ilegal.
Artigo 16 (veto ao artigo e ao parágrafo único):
Pena de seis meses a dois anos de detenção, e multa, para quem não se identificar ao preso no momento da prisão ou usar identificação falsa.
Justificativa: Há situações excepcionais em que o sigilo se faz necessário.
Artigo 17 (veto ao artigo e a quatro itens):
Artigo previa pena de seis meses a dois anos e multa para quem submetesse o preso ao uso de algemas quando não houver resistência à prisão.
Justificativa: Uso de algemas já foi regulamentado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Artigo 22 (veto ao inciso II do parágrafo 1º):
Pune autoridade que invadir residência de forma clandestina ou sem ordem judicial. Bolsonaro vetou a parte que dizia que comete a mesma infração quem executa mandado de busca e apreensão mobilizando veículos, pessoal ou armamento de forma “ostensiva e desproporcional” para expor o investigado a vexame.
Artigo 26 (veto ao artigo e aos dois parágrafos):
Pune agentes que induzirem pessoas a praticar um crime, para forçar prisão em flagrante.
Artigo 30:
Pune a autoridade que iniciar ou avançar na persecução penal sem justa causa fundamentada ou contra pessoa que se sabe inocente. Era outro artigo muito criticado por procuradores e juízes.
Justificativa: Gera insegurança jurídica e põe em risco o instituto de delação anônima (como o disque-denúncia).
Artigo 32:
Texto previa punição ao agente que negar acesso e cópia de quaisquer peças de uma investigação a interessado ou à defesa.
Artigo 34:
Pune autoridade que não corrigir “erro relevante que sabe existir em processo ou procedimento”.
Artigo 35 :
Pune o agente que “coibir, dificultar ou impedir, por qualquer meio, sem justa causa, a reunião, a associação ou o agrupamento pacífico de pessoas para fim legítimo”.
Justificativa: Dispositivo é genérico e tema já tem jurisprudência do STF.
Artigo 38 :
Pune o responsável por investigação que antecipe, por meio de comunicação ou rede social, atribuição de culpa a alguém antes de investigação concluída.
Justificativa: Viola princípio da publicidade da administração pública. A comunicação de certos tipos de crime pode facilitar sua resolução.
Artigo 43:
Incluía na legislação que é crime violar direito ou prerrogativa de advogado, como a inviolabilidade do escritório.
Justificativa: As prerrogativas de advogados não geram “imunidade absoluta”.