Correio Braziliense, n. 21410, 29/10/2021. Brasil, p. 6

Injúria racial não tem prescrição, decide STF

Jorge Vasconcellos
Luana Patriolino


O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, ontem, que o crime de injúria racial não prescreve — ou seja, não há prazo para o Estado punir os acusados. A Corte entendeu que esse delito pode ser enquadrado criminalmente como racismo, que é considerado imprescritível pela Constituição.

O processo julgado pelos ministros envolve o caso de uma mulher idosa, de 79 anos, que foi condenada pela Justiça do Distrito Federal a um ano de prisão pelo crime de injúria qualificada por preconceito. A sentença foi proferida em 2013.

A situação que levou à condenação ocorreu um ano antes, em um posto de gasolina. A acusada queria pagar o abastecimento do carro com cheque, mas, ao ser informada pela frentista de que o posto não aceitava essa forma de pagamento, ofendeu a funcionária com dizeres como "negrinha nojenta, ignorante e atrevida".

A defesa sustentou no processo que a autora das ofensas não pode ser mais punida pela conduta, em razão da prescrição do crime. Para os advogados, ocorreu a extinção da punibilidade em razão da idade. Pelo Código Penal, o prazo de prescrição cai pela metade quando o réu tem mais de 70 anos.

Além disso, a defesa sustentou que o crime de injúria racial é afiançável e depende da vontade do ofendido para ter andamento na Justiça. Dessa forma, não pode ser comparado ao racismo, que é inafiançável, imprescritível e não depende da atuação da vítima para que as medidas cabíveis sejam tomadas pelo Ministério Público.

Votos
No Supremo, o caso começou a ser julgado no ano passado, quando o relator, ministro Edson Fachin, proferiu o primeiro voto do julgamento e entendeu que a injúria é uma espécie de racismo, sendo imprescritível.

Em seguida, o ministro Nunes Marques abriu divergência. Ele entendeu que o racismo e a injúria se enquadram em situações jurídicas diferentes. Para o ministro, o racismo é uma "chaga difícil de ser extirpada", no entanto, a injúria qualificada é afiançável e condicionada à representação da vítima. "Não vejo como equipará-los, em que pese seja gravíssima a conduta de injúria racial", afirmou Nunes Marques.

Ontem, na retomada do julgamento, o ministro Alexandre de Moraes, que havia pedido vista do processo, votou para considerar o crime de injúria racial imprescritível. Moraes citou os comentários da idosa para exemplificar que se trata de um caso de racismo. "Isso foi ou não uma manifestação ilícita, criminosa e preconceituosa em virtude da condição de negra de vítima? Logicamente, sim. Se foi, isso é a prática de um ato de racismo", afirmou.

O entendimento foi seguido pelos ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e o presidente do Supremo, Luiz Fux.

Ataques pessoais
Para Mariana Zopelar, sócia da Bernardo Fenelon Advocacia, o entendimento do STF "visa exatamente garantir que a propagação do racismo não deixe de ser punida, uma vez que há uma diferença essencial entre os tipos penais". Ela explicou que, "no racismo, há que se atacar a coletividade, não ficando abarcado o ataque individual às pessoas pretas; enquanto na injúria, como se demonstra pela análise do caso concreto, basta que ofensas raciais sejam proferidas contra uma pessoa negra".

A advogada acrescentou que, atualmente, no Brasil, é possível afirmar que são mais frequentes esses ataques direcionados a um indivíduo do que ao coletivo, "de modo que a decisão do STF busca exatamente tornar efetiva a persecução penal contra os infratores, eis que, por todo o subjugamento histórico enfrentado, pode haver uma demora no importante ato de denunciar".

Silvio de Almeida, presidente do Instituto Luiz Gama, disse que "a decisão do STF reafirma a posição do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que firmou o entendimento de que a injúria racial é uma modalidade do crime de racismo e, portanto, não pode estar sujeita aos prazos decadenciais que incidem sobre os crimes contra honra, subordinando-se ao inciso XLII do artigo 5º da Constituição Federal que estabelece que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível".

Segundo Almeida, "a decisão é acertada, sobretudo, porque, em muitos casos, havia a desclassificação do delito de racismo para injúria racial e, neste caso, invariavelmente era reconhecido o decurso de prazo decadencial, o que resultava, na prática, na impunidade do ofensor, uma vez que não poderia haver condenação neste caso".