O Globo, n. 31441, 06/09/2019. País, p. 8

Diálogos revelam demissão para blindar Flavio
Chico Otavio  
Juliana Dal Piva


O ex-assessor Fabrício Queiroz demitiu a ex-mulher de um miliciano que trabalhava para Flávio Bolsonaro (PSL) na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) e atuou para evitar uma vinculação entre o gabinete do filho do presidente e o criminoso, apontam conversas obtidas pelas investigações do Ministério Público do Rio.

No dia em que se tornou público que era alvo de uma investigação por movimentações milionárias, 6 de dezembro de 2018, Queiroz comunicou por WhatsApp a Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega, ex-mulher de Adriano Magalhães da Nóbrega, o “Capitão Adriano”, chefe de uma quadrilha de milicianos da Zona Oeste, que ela fora exonerada do gabinete do hoje senador Flávio Bolsonaro na Alerj.

Na conversa, Queiroz explicou que o motivo era o fato de que ele e Flávio eram alvo de uma investigação. Procurado, o ex-assessor confirmou a conversa e disse, por meio de seus advogados, que “tais diálogos tinham como objetivo evitar que se pudesse criar qualquer suposição espúria de um vínculo entre ele e a milícia”.

Por mensagem de texto, Queiroz pediu à mulher que evitasse usar o sobrenome do miliciano. Para reforçar o pedido de cautela, encaminhou pelo aplicativo uma foto, divulgada pela mídia na época, na qual Queiroz e Flávio aparecem juntos, lado a lado, no gabinete.

De acordo com três investigadores que tiveram acesso às mensagens, Danielle então explica a Queiroz que já não usava “Nóbrega” há muitos anos e estava em outra relação conjugal. Ela, porém, teria demonstrado insatisfação com a perda do dinheiro que recebia pelo cargo, e perguntado se poderia receber algum tipo de ajuda. Queiroz, então, a orientou a não tratar desse assunto por telefone.

Operação

A íntegra da conversa foi extraída do celular de Danielle, apreendido pelo Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio, durante a Operação “Os Intocáveis”, desencadeada um mês e meio depois, em 22 de janeiro deste ano, para prender 13 milicianos acusados de uma série de atividades e cobranças ilegais, além de uma sequência de homicídios. Um dos mandados de prisão, na ocasião, foi justamente contra Nóbrega, que segue foragido.

Na época da troca de mensagens, a investigação contra “Capitão Adriano” não era pública, e Queiroz já havia deixado, ao menos formalmente, o cargo no gabinete de Flávio Bolsonaro. Ele foi exonerado entre o primeiro e o segundo turno da eleição, em outubro do ano passado.

Para o Ministério Público, os valores recebidos por Danielle na Assembleia funcionavam na prática como uma espécie de pensão alimentícia. Não há qualquer indício de que ela, de fato, exercia as funções de assessora parlamentar. Apesar de ter ficado mais de uma década lotada no gabinete de Flávio na Alerj, de 6 de setembro de 2007 a 13 de novembro de 2018, ela nunca teve crachá na Alerj. Seu salário era de R$ 6.490,35.

A defesa de Queiroz informou, por nota, que acredita que ele sofre perseguição e que “a senhora Danielle foi convidada por ele a participar do gabinete em razão do trabalho social relevante do qual participa”. A nota diz ainda que “infelizmente, ao que parece, neste momento, todo e qualquer fato é distorcido com vistas a revelar algo supostamente ilícito, quando, em verdade, somente houve trabalho sério, honesto e comprometido”. O trabalho de Danielle, especificamente, não foi relatado.

Dez dias depois da conversa, Queiroz foi para São Paulo iniciar um tratamento de câncer e lá permaneceu em silêncio. Ele concedeu uma entrevista ao SBT no final do ano, dizendo que fazia “rolos” e negando irregularidades. Faltou a todas as convocações do MP e prestou apenas um depoimento por escrito, em fevereiro, no qual admitiu que ficava com parte dos salários dos servidores para supostamente efetuar outras contratações. Depois disso, passou oito meses sem ser visto. Na semana passada, a revista “Veja” encontrou o ex-assessor de Flávio Bolsonaro no Hospital Albert Einstein, ainda em tratamento.

A exoneração de Danielle ocorreu no mesmo dia da dispensa de Raimunda Veras Magalhães, mãe de Nóbrega, que também tinha cargo no gabinete de Flávio desde junho de 2016. Diferentemente de Danielle, a mãe do ex-capitão do Bope foi alvo do relatório do antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ) que identificou a movimentação atípica de R$ 1,2 milhão de Queiroz entre 2016 e 2017.