O Globo, n. 31609, 21/02/2020. Sociedade, p. 27

Parlamento português aprova prática da eutanásia

Bruno Alfano


Cinco projetos que liberam a eutanásia em Portugal foram aprovados pelo Parlamento ontem. Os textos propostos estabelecem a prerrogativa da morte assistida aos portugueses e aos estrangeiros residentes no país, maiores de idade com doenças incuráveis e em fase de sofrimento duradouro e insuportável.

Em janeiro, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) informou que o número de brasileiros vivendo legalmente em Portugal — e que, portanto, poderão se beneficiar da lei, em caso de sanção — era de 150.854 pessoas, representando 1 em cada 4 imigrantes residentes no país.

— Esse é um debate difícil e muito apaixonado, em alguns casos, mas penso que o Parlamento esteve à altura, como já tinha estado há dois anos, na discussão anterior sobre a despenalização da morte assistida — afirmou Eduardo Ferro Rodrigues, presidente do Parlamento, ao fim da votação.

Dor insuportável

Os projetos foram apresentados por Partido Socialista (PS), Bloco de Esquerda (BE), Pessoas-Animais- Natureza (PAN), Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV), todos de esquerda, e a Iniciativa Liberal (IL), de centro-direita. Juntos, os partidos já tinham a maioria dos votos para aprovar uma nova legislação sobre o tema.

—Não há nada que legitime forçar alguém ate ruma despedida david a que a violente — defendeu José Manuel Pureza, deputado do BE.

Agora, os deputados vão negociar um texto comum entre as cinco propostas para ser enviado ao presidente português, Marcelo Rebelo, ex-líder do PSD, católico de centro-direita, eleito como independente, que poderá promulgar ou veta ralei. A discussão éfe ita em comissão coma presença também de deputados que se opuseram à medida. P orisso, pode levar meses até o texto final ser enviado a Rebelo, que decide se ela é devolvida para nova apreciação do Parlamento ou encaminhada ao Tribunal Constitucional, equivalente ao STF no Brasil. A atual composição do Tribunal tem maioria progressista.

— Não é aceitável colocara eutanásia quando o Serviço Nacional de Saúde (SNS) se encontra tão frágil — argumentou Cláudia Bento, deputada do PSD, que votou contra as cinco propostas.

Os projetos são bastante semelhantes, com todas as partes concordando que apenas maiores de 18 anos que não sofrem de uma doença mental podem solicitar a prática se estiverem em estado terminal, sofrendo de dor “insuportável” e “sem esperança de cura”.

Os que são contra a legalização da eutanásia têm argumentado repetidamente que Portugal deveria priorizar os cuidados de saúde prestados aos doentes terminais. A Ordem dos Médicos e a dos Enfermeiros de Portugal reforçam esse discurso.

— Não temos uma rede de cuidados paliativos como têm os outros países que aprovaram a morte medicamente assistida, não temos vagas para as pessoas que procuram os cuidados paliativos, não temos equipes domiciliárias para toda agente e, portanto, teríamos que ter começa dopo raí e, então, fazer essa discussão — afirmou Ana Rita Cavac, presidente da Ordem dos Enfermeiros, à agência Lusa.

Na América do Sul, apenas no Uruguai ena Colômbia é possível antecipara própria morte. Já no Brasil não há projeto de lei voltado para a legalização da morte assistida. Também não há lei que proíba. No entanto, caso um profissional de saúde interrompa de forma ativa avida de um paciente — dando uma injeção letal, por exemplo —, ele será julgado por homicídio doloso, com pena de seis a 20 anos de prisão.

Holanda, Bélgica, Luxemburgo e Suíça também descriminalizaram a eutanásia, assim como cinco estados nos EUA e um australiano.

A Espanha deu início neste mês ao processo para legislar sobre a morte medicamente assistida. E, na Nova Zelândia, será realizado um referendo.

Protestos na porta

Centenas de portugueses, jovens e idosos, protestaram fora do Parlamento, contrários aos projetos, momentos antes de eles serem aprovados.

— Avida hum anatem um valor inviolável, consagrado pela nossa Constituição portuguesa, graças a Deus — disse Francisco Guimarães, de 21 anos, à Reuters.

Dirigentes de diferentes partidos — e também a Igreja Católica—defenderam a realização de uma consulta popular antes da promulgação presidencial. Isso já aconteceu no país, como na descriminalização do aborto, em 2007. Porém, o bloco de esquerda, que aprovou a medida e tem maio riana Casa, deve barrara ideia.

De acordo com o jornal português Público, um estudo do Instituto Universitário de Lisboa (ICS/IUL) apontou que 43% dos entrevistados a poiam a legalização da eutanásia, contra 28% que discordam. O restante não soube opinar. Foram ouvidas 1.500 pessoas.