O Globo, n. 31560, 03/01/2020. País, p. 10

Prova de fogo para Crivella

Luiz Ernesto Magalhães
Renan Rodrigues



Desgastado por uma crise na área de saúde e com uma taxa de reprovação de 72% entre os cariocas, segundo uma pesquisa Datafolha divulgada no mês passado, o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) chega ao último ano de seu mandato sem saber ao certo o suporte que terá em sua tentativa de reeleição, agora em 2020. O que pode ditar o ritmo de sua busca por apoio político é o volume das dívidas do município após sucessivos arrestos determinados pela Justiça do Trabalho no fim de 2019 (para pagamento de salários atrasados de funcionários terceirizados de hospitais e de parcelas de empréstimos junto ao BNDES). Foram embargados mais de R$ 500 milhões da arrecadação de novembro e dezembro, e, de acordo com o vereador Paulo Messina (PSD), 2020 começa de forma difícil. Ex-homem forte da administração Crivella, ele calcula que a prefeitura precisará de R$ 1,3 bilhão nos próximos dias para pagar despesas essenciais.

Hoje adversário político do prefeito, Messina quer colher assinaturas na Câmara Municipal para tentar convocar o Legislativo durante o recesso parlamentar, previsto para terminar em 15 de fevereiro. A ideia é pressionar a Secretaria de Fazenda, que teria descumprido um acordo feito com vereadores em 19 de dezembro. Na ocasião, afirma Messina, o órgão se comprometeu a apresentar planilhas semanais sobre a situação do caixa da prefeitura. Procurada para comentar o assunto, a pasta não se manifestou.

Contas penduradas

O cálculo de Messina inclui a folha de dezembro do funcionalismo, que precisa ser paga até quarta-feira, e as férias do pessoal da área de educação. Há ainda a necessidade de quitar o consignado dos servidores — que, apesar de ter sido descontado nos contracheques, não foi repassado aos bancos —, de providenciar repasses às Organizações Sociais que atuam na saúde e de tratar da dívida de R$ 120 milhões com empresas terceirizadas de coleta de lixo.

— A situação é muito preocupante. A prefeitura quer quitar dívidas com o IPTU de 2020, mas o imposto não deveria pagar por um serviço prestado lá atrás. A cota única, que vence em fevereiro e costuma garantir uma arrecadação de cerca de R$ 2 bilhões, é um adiantamento da receita que entrará ao longo do ano; outras contas vão chegar. É preciso reestruturar a máquina pública —afirma Messina.

Presidente da Comissão de Finanças da Câmara, Rosa

Fernandes (MDB) se diz muito preocupada com a saúde municipal. De acordo com a vereadora, dos R$ 5 bilhões previstos no orçamento de 2019 para a área, a prefeitura pagou R$ 3,9 bilhões.

Estratégia de campanha

Diante das dívidas milionárias com fornecedores, Crivella não tem recursos para fazer obras ou serviços que marquem a reta final de sua gestão e, enquanto isso, vê chegar a 12 a lista de pré-candidatos à prefeitura. Sua estratégia para tentar se manter competitivo é centrar as atenções no eleitorado evangélico e de baixa renda e, ao mesmo tempo, buscar uma aproximação com o presidente Jair Bolsonaro.

Em outra frente, o prefeito estuda mudanças no comando de administrações regionais, num esforço para estabelecer novas alianças ou enfraquecer possíveis adversários. Nessa dança das cadeiras, podem servir como moedas de troca as superintendências da Ilha do Governador e da Barra. A primeira é controlada por Tânia Bastos (Republicanos), vice-presidente da Câmara e fiel aliada de Crivella. Já a segunda esteve, em 2019, sob a influência da vereadora Fátima da Solidariedade, que integra o PSC do governador Wilson Witzel.

Por enquanto, apenas dois grandes partidos mantêm o apoio à reeleição de Crivella. No ano passado, durante as negociações para barrar uma tentativa de impeachment do prefeito na Câmara, o PP do ex-vice-governador Francisco Dornelles aderiu à base governista em troca das secretarias de Meio Ambiente e Turismo, que estavam extintas e acabaram sendo recriadas. Outra pasta que renasceu foi a Secretaria da Pessoa com Deficiência e Tecnologia, que ficou com o Podemos, do senador Romário.

A aposta na aproximação com o governo federal se multiplica em várias frentes. Logo após o Ministério Público estadual cumprir mandados de busca e apreensão como parte de uma investigação que envolve o senador Flávio Bolsonaro (ele é acusado de ter ficado com parte dos salários de assessores quando era deputado estadual, mas nega ter feito isso), Crivella divulgou um vídeo defendendo o filho do presidente. Além disso, de acordo com a coluna de Berenice Seara no“Extra ”, ofereceu a estruturada Igreja Universal para o presidente tentar reunir as assinaturas necessárias à fundação do partido Aliança pelo Brasil, sua nova legenda.

Porém, na esfera municipal, Crivella continua com uma base frágil, ainda sem convicção se irá apoiá-lo até o fim. Planos ambiciosos, como Parcerias Público-Privadas (PPPs) para ampliar a oferta de creches na cidade e um grande projeto de habitação popular em terrenos na área central da cidade, ficaram pelo caminho. A ideia de construir um autódromo em Deodoro ainda depende de ações na Justiça.

— A grande incógnita é se ele conseguirá chegar às eleições competitivo depois de um 2019 de grande desgaste. As alianças dependem muito da capacidade de Crivella convencer que terá chances. Ele tem pouco tempo para resolver as questões financeiras e estruturais da prefeitura frente ao calendário eleitoral (a lei proíbe políticos de participarem de inaugurações três meses antes do pleito ) — avalia o cientista político Ricardo Ismael, professor da PUC-RJ.

Abusca de Crivella por apoio político fez com que o programa Cuidar da Cidade, um mutirão de intervenções de conservação, priorizasse áreas que são redutos de aliados. Foram 46 ações no ano passado, a maioria na Zona Oeste. O prefeito ainda anunciou um investimento, até o fim de 2020, de cerca de R$100 milhões em pequenas obras, como reforma de praças e colocação de grama sintética em campinhos de futebol.

A Controladoria Geral do Município tem até o dia 23 para fechar o balanço de 2019. O Globo pediu uma entrevista com o prefeito para falar sobre seus desafios em 2020, porém não obteve resposta.