O Globo, n. 31560, 03/01/2020. Economia, p. 23

Saldo comercial é o menor em 4 anos

Marcello Corrêa



O Brasil fechou 2019 com o pior saldo na balança comercial em quatro anos. No ano passado, as exportações superaram as importações em US $46,7 bilhões—menor valor desde 2015, quando o superávit for ade US $19,5 bilhões. O resultado é reflexo do ritmo fraco da economia mundial, agravado por crises vividas por parceiros importantes, como a China e a Argentina. Para especialistas, esses fatores devem persistir, e o comércio exterior terá mais um ano fraco em 2020, com novo recuo no saldo, causado ainda pela incerteza em relação à guerra comercial entre China e EUA e crescimento global modesto.

O desempenho do ano passado foi puxado principalmente pelas exportações, que recuaram para US$ 224 bilhões, queda de 7,5% em relação a 2018, segundo os dados divulgados ontem pelo Ministério da Economia. O saldo comercial só não foi menor porque as importações também caíram: retração de 3,3%, para R$ 177,3 bilhões — reflexo da atividade econômica fraca.

O secretário de Comércio Exterior do Ministério da Economia, Lucas Ferraz, minimizou a queda no saldo comercial e disseque o objetivo do governo é ampliara participação do Brasil no mercado internacional. Ele reconheceu, no entanto, que o desempenho de 2019 foi negativo, mesmo olhando para esse objetivo. A som ade importações e exportações—acorrente comercial —fechou no vermelho:

— O foco central da agenda de comércio do governo Jair Bolsonaro não passa por saldos comerciais. Nosso objetivo é aumentar o grau de integração e contribuir coma produtividade, crescimento de longo prazo e geração de emprego e renda.

O efeito China foi o que mais pesou na queda nas exportações. A febre suína, que fez o país asiático perder cerca de meta deda produção de porcos, derrubou a demanda chinês apela soja brasileira. As exportações do grão diminuíram US$ 6,7 bilhões. A perda não foi compensada pelo aumento das vendas de carne, que ficaram abaixo de US$ 1 bilhão.

A recessão argentina foi responsável por um impacto negativo de US$ 5,2 bilhões nas exportações de manufaturados. Pela primeira vez em 16 anos, o Brasil encerrou o ano com déficit comercial com o país vizinho —ou seja, importou mais que exportou.

Segundo cálculo do Ministério da Economia, não fossem essas duas crises, as vendas externas que fecharam o ano em queda de 0,3%, teriam crescido 2% — mais do que a média mundial, de 1,2%.

De acordo com analistas, a recessão na Argentina e a peste suína na China devem continuarem 2020. Não há perspectiva de recuperação este ano. A China deve demorar para recompor seu rebanho de suínos.

O presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, projeta que as exportações devem recuar 3% em 2020. Já as importações devem subir 6,5%, caso a expectativa de melhora da economia se confirme. Com isso, o saldo comercial recuaria 44%, para US$ 26,1 bilhões:

— A China vai levar cinco anos para recompor o plantel suíno que ela tinha. A crise argentina vai depender das medidas que forem adotadas, mas, independentemente disso, 2020 está perdido.

O setor exportador já mira 2021 como um ano de retomada. A expectativa é que medidas adotadas ao longo do ano passado como mudança nas leis trabalhistas e redução na burocracia, tenham efeito no ano que vem.

Concorrência dos EUA

O economista Silvio Campos Neto, da Tendências, também vê um cenário difícil este ano. A projeção da consultoria é de superávit comercial de US$ 37,4 bilhões (queda de 19% frente a 2019), com queda das exportações e alta nas importações. O analista lembra que há incertezas sobre os desdobramentos da guerra comercial entre China e EUA.

— Pode pesar em 2020 o compromisso que a China fez perante os EUA de ampliar compras de produtos agrícolas americanos. Pode haver um deslocamento de demanda de produtos brasileiros para os EUA, que nos afetaria negativamente, mas deforma pontual. No contexto mais amplo, o acordo é bom para a economia mundial —avalia Neto.

Já o professor da USP Simão Davi Silber pondera que a economia mundial continuará desafiadora neste ano, com incertezas como o efeito do Brexit no humor global:

— Pelos dados da OMC, o comércio mundial em 2019 caiu. Economistas acreditam que o resultado ruim do comércio mundial é prenúncio de possível recessão ou desempenho modesto da economia global em 2020.