O Globo, n. 31561, 04/01/2020. Opinião, p. 2

Surto populista

Merval Pereira


O presidente Jair Bolsonaro, na tentativa de ficar bem com os dois lados, seus apoiadores que defendem o veto ao Fundo Eleitoral, e os congressistas, sairá chamuscado seja qual for a decisão que tomar.

Ele havia ganhado uma queda de braço com o Congresso quando a verba de R$ 3,8 bilhões que fora fixada na Comissão Mista de Orçamento acabou sendo reduzida para R$ 2 bilhões, justamente o valor que ele havia proposto.

Foi a pressão da opinião pública que fez com que os deputados e senadores aceitassem a proposta do governo, equivalente à mesma de 2018 reajustada. Bolsonaro, no entanto, não resistiu a um populismo, e levantou a questão na porta do Palácio da Alvorada, para o grupo de apoiadores que diariamente chegam de vários lugares do país para verem o presidente de perto.

Do nada, perguntou como se fosse Silvio Santos oferecendo dinheiro à plateia: “Devo vetar ou não o Fundo Eleitoral?” Ora, se a democracia direta através de plebiscitos ou referendos é um sistema de decisão muito discutível, que deu margem a fortalecimento de ditaduras ou aprovação de decisões perigosas como o Brexit na Inglaterra, imagine uma enquete popular improvisada?

Bolsonaro chegou a alegar que vetaria porque não queria que seus adversários, como o PT e o PSL, recebessem dinheiro para fazer suas campanhas. Os dois partidos têm direito à maior parte do Fundo, por serem as maiores bancadas de deputados federais eleitas em 2018.

O que o presidente queria era fazer uma graça para seus eleitores, reavivando a disputa com a “velha política”. Não existe nenhuma outra razão para que volte atrás da decisão anunciada do que a vitória do bom senso.

Alguém deve ter alertado o presidente de que o Fundo Eleitoral de R$ 2 bilhões fora proposta do Executivo, e que, vetando-o, estaria indo contra uma decisão sua. O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, foi bastante pragmático na reação: “Se ele quer vetar sua própria proposta, tudo bem”. Alegar que poderia ser enquadrado em crime de responsabilidade devido a um eventual veto é desculpa esfarrapada que mais uma vez joga para o Congresso a responsabilidade de criar o Fundo Eleitoral de R$ 2 bilhões.

Embora a proposta da Comissão Mista praticamente dobrasse a verba eleitoral em relação a 2018, ela não retiraria verba de nenhum setor do governo, muito menos da área social, como foi alegado.