O Globo, n. 31562, 05/01/2020. País, p. 12

De olho em 2022, Lula rejeita moderar discurso

Sergio Roxo


Apesar do apelo de parte das lideranças do PT, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem rejeitado em conversas com aliados fazer uma inflexão no discurso que adotou desde que deixou a prisão no dia 8 de novembro. O plano do petista é manter os ataques ao presidente Jair Bolsonaro e investir para consolidar a polarização, numa tentativa de evitar o surgimento de um nome de centro para a disputa de 2022.

Um dia após ser solto, ao discursar no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo, Lula relacionou Bolsonaro com as milícias e chegou a dizer que os brasileiros deveriam seguir “o exemplo do povo do Chile”, que tomou as ruas do país em protestos que resultaram em mais de 20 mortes nos últimos meses. O argumento de Lula é que, desde a eleição presidencial de 1989, o PT ocupa um dos polos da política brasileira. O outro lado é que mudou de Fernando Collor para os tucanos, e agora para Bolsonaro. Apesar de ter conseguido a liberdade, o ex-presidente segue com os direitos políticos cassados por causa das condenações na Lava-Jato, que o enquadram na Lei da Ficha Limpa. A defesa do petista ainda tentará anular no Supremo Tribunal Federal (STF) as condenações com o argumento de que o então juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça, foi parcial na condução dos processos. No entanto, mesmo que não possa se candidatar em 2022, Lula tem a intenção de ser um cabo eleitoral importante na corrida pelo Palácio do Planalto.

Um dos petistas com mais acesso ao ex-presidente afirma que os que pregam contra a polarização estão, na verdade, tentando viabilizar a construção de uma candidatura de centro para a próxima eleição presidencial. De acordo com esse aliado, o tom de Lula deve ser o que ele apresentou na abertura do congresso do PT, realizado em São Paulo, em novembro. Naquela ocasião, o petista defendeu de forma enfática a polarização com o governo Bolsonaro, mas ressaltou que, nos tempos em que esteve no Planalto, não adotou medidas radicais que ameaçavam a democracia. Esse mesmo dirigente argumenta que as portas para conversas com representantes de outras correntes ideológicas não devem ser fechadas, mas “para negociar com o centro é preciso ter autoridade primeiro com a esquerda”.

Pressão por novo tom

Para um outro grupo de petistas, porém, o ex-presidente deveria adotar de forma clara o papel de pacificador do país para poder alcançar uma parcela mais ampla da população. A definição de um tom adequado para os discursos de Lula seria, para essas lideranças, o grande desafio do PT no começo de 2020.

Caso mantenha o tom atual, Lula, na visão dessa ala de petistas, continuará tendo aceitação de apenas cerca de um terço do eleitorado mais simpático à esquerda. Essa parcela é insuficiente para conseguir uma vitória numa eleição disputada em dois turnos.

O grupo ainda não chega a atuar em conjunto nesse esforço de fazer com que o líder petista promova uma inflexão em sua fala. Porém, essa preocupação já foi exposta individualmente a Lula. O único nome do partido que tornou pública a defesa de uma mudança de tom foi o governador da Bahia, Rui Costa. Em entrevista ao jornal “Folha de S.Paulo”, ao ser indagado sobre as falas recentes de Lula, Rui afirmou que “temos que pacificar o país”. O senador Jaques Wagner (PTBA), antecessor de Rui Costa no governo da Bahia, também tem defendido em conversas internas a alteração nos sinais emitidos por Lula.

O atual governador da Bahia tem interesse em se colocar como possível candidato do PT em 2022, caso Lula não consiga reaver os seus direitos políticos. O ex-prefeito Fernando Haddad, derrotado no ano passado por Bolsonaro, é apontado internamente como favorito de Lula para ocupar esse posto. Para o aliado do ex-presidente, Rui Costa, ao se colocar como uma voz dissonante, quer na verdade “se vender para o centro” para mostrar que seria um candidato viável.

Os ataques do petista a Bolsonaro

> Discurso em São Bernardo: Já no seu primeiro discurso após deixar a prisão, em 9 de novembro, o ex-presidente Lula fez duros ataques à pessoa e ao governo do presidente Jair Bolsonaro, a quem acusou de governar para “milicianos do Rio de Janeiro”, numa referência a notícias que indicam proximidade da família Bolsonaro com policiais e ex-policiais acusados de envolvimento com milícias que atuam no estado. O petista também afirmou que os brasileiros deveriam seguir o exemplo do povo do Chile, em referência aos recentes protestos que tomaram a capital do país.

> Congresso do PT: Ao falar no evento, em 23 de novembro, Lula defendeu a necessidade de o partido manter a polarização com Bolsonaro:

— Não venham dizer que o PT é radical. Um pouco de radicalismo faz bem à nossa alma (...). Não estou mais radical, estou mais consciente — declarou o ex-presidente.

> Ato com artistas: Lula manteve a polarização com Bolsonaro em um discurso feito no Circo Voador, no Rio de Janeiro, em 18 de dezembro. O ex presidente criticou diversas medidas do primeiro ano de mandato de Bolsonaro, como suas escolhas para os postos de ministros; a extinção da pasta da Cultura; a proposta da excludente de ilicitude do pacote anticrime; a diminuição de recursos para produções audiovisuais nacionais; e as críticas do presidente ao educador Paulo Freire. Lula classificou as ações como “autoritárias” e disse que a atual gestão é um “governo do avesso”.