Título: Vergonha
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 16/04/2005, Opinião, p. A10

Erraram vergonhosamente os 37 parlamentares que, na quinta-feira, votaram contra a cassação do deputado Alessandro Calazans (sem partido). Livraram-no de uma punição exemplar, mas imergiram a Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro no terreno lamacento de corrupção que escorria pelas fitas apresentadas durante o longo e movediço processo de investigação.

Foram cinco meses de trabalho. Quatro comissões envolveram-se na apuração. Todas as instâncias - uma comissão especial, a Corregedoria da Alerj, a Mesa Diretora e a Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) - entenderam que ficara evidente a quebra de decoro de Calazans. Com a votação do relatório final no plenário, venceu o corporativismo. Seguiu-se a tradição que tem imperado na Casa. Como afirmou a historiadora Marly Motta, da Fundação Getúlio Vargas, ali prevalece o Palerj: Partido da Assembléia Legislativa.

Segundo tais comissões, a prova mais cristalina de que o deputado fora pego numa traquinagem incompatível com o cargo de representante do eleitor fluminense está numa fita gravada e de autenticidade comprovada por reconhecidos peritos. Nela, Calazans negociaria a retirada do nome do empresário do ramo lotérico Carlinhos Cachoeira do relatório da CPI da Loterj, que presidiu.

De acordo com o relatório final da Comissão de Constituição e Justiça, ocorreu uma tentativa de prática de negociação ilícita. E nenhuma providência foi tomada à época. Na véspera, maus presságios já anteviam tenebrosas estratégias para reduzir a punição de Calazans. A opção pelo voto secreto antecipou a possibilidade de aliviar a pena do deputado. A capacidade dos parlamentares estaduais de livrar o colega, porém, superou os limites da sensatez. De nada adiantaram os 25 votos favoráveis à cassação.

Algumas vozes desavisadas reconhecerão que votações desse tipo fazem parte do jogo democrático. Insista-se, porém: durante todo o processo, Alessandro Calazans não conseguiu provar a inocência. Tampouco o deputado federal André Luiz - ainda ameaçado de cassação na Câmara, também acusado por Cachoeira de pedir-lhe propina para que a CPI não o atingisse. Mesmo em Brasília, André Luiz exercia influência sobre a comissão da Alerj.

O resultado é ruim para o país, péssimo para o Rio, pior ainda para a Assembléia. O episódio, afinal, amplia as marcas do desgaste na imagem de uma instituição que precisa estar acima de qualquer suspeita. Espera-se que a Câmara dos Deputados não siga o mau exemplo. O eleitor estará atento. E cobrará caro pela desfaçatez.