Correio Braziliense, n. 21413, 01/11/2021. Mundo, p. 9

Cobrança por ação

Rodrigo Craveiro


Líderes e delegações de negociadores de mais de 100 países têm apenas 11 dias para firmar um consenso sobre compromissos ambiciosos capazes de reduzir o impacto das mudanças climáticas sobre o planeta. Na abertura da COP26, a conferência da ONU sobre o clima, em Glasgow (Escócia), o seu presidente, o britânico Alok Sharma, classificou o evento como a “última e melhor esperança” de limitar o aquecimento global a +1,5°C em relação aos níveis pré-industriais — meta estabelecida pelo Acordo de Paris. “A mudança climática não tirou férias. Todas as luzes estão vermelhas no painel climático”, advertiu. “Se agirmos agora e juntos, podemos proteger nosso precioso planeta”, ressaltou.

Sharma advertiu que os efeitos do aquecimento global se fazem sentir na forma de “inundações, ciclones, incêndios florestais, recordes de temperatura”. Em seu discurso, a mexicana Patricia Espinosa, secretária-executiva da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), comentou que “a humanidade enfrenta escolhas difíceis, porém, claras”. “Podemos escolher reconhecer que continuar com as coisas como estão não vale o preço devastador que teremos que pagar e fazer a transição necessária, ou podemos concordar em participar de nossa própria extinção”, advertiu. 

Por sua vez, o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson alertou: “Se Glasgow fracassar, a coisa inteira fracassará”. Segundo ele, o fiasco da COP26 também desmoronaria o Acordo de Paris. “O único mecanismo viável do mundo para lidar com as mudanças climáticas ficaria furado abaixo da linha da água”, afirmou, ao comparar o pacto mundial firmado em 2015 com um barco. “Neste momento, o Acordo de Paris e a esperança que o acompanha são apenas um pedaço de papel.” 

Em Roma, onde participou do encerramento da cúpula do G20 — os 19 países mais industrializados do mundo mais a União Europeia —, Johnson frisou que não há desculpas para a omissão no combate às mudanças climáticas. Uma das ausências mais notadas da COP26 é a do presidente Jair Bolsonaro, que temia críticas pela política ambiental brasileira.

Especialistas

Em entrevista ao Correio, o britânico Piers Forster — professor de física da mudança climática da University of Leeds e autor de relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) — demonstrou ceticismo em relação a compromissos mais ambiciosos durante a COP26. “Como as metas revisadas foram submetidas antes da COP, elas não mudarão agora. Em vez disso, estamos buscando ações tangíveis para acabar com o carvão, impedir o desmatamento, levar adiante um pacto para descontinuar o uso de carros movidos a gasolina, além de investir em projetos de energias renováveis e de adaptação em nações emergentes. O grande tema aqui é exatamente o das finanças. Se houver um fluxo genuíno de dinheiro a partir dos países desenvolvidos, isso construirá confiança”, previu. 

Para Forster, a mitigação dos efeitos do aquecimento global dependerá de uma quantia razoável de verba canalizada pelos países mais ricos e da transferência de tecnologia. “As nações industrializadas têm sido muito egoístas em relação ao envio de vacinas anticovid-19 para as nações emergentes”, exemplificou, ao cobrar uma postura mais incisiva.

Cientista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e autor líder do relatório do IPCC, o paraibano Lincoln Alves, 44 anos, vê a COP26 como um “momento de oportunidade, de rever conceitos e de quebrar  paradigmas”. Segundo ele, a conferência ocorre em um contexto positivo, alinhado ao lançamento do documento do grupo 1 do IPCC, em agosto passado. “O relatório traz todas as evidências científicas de que a mudança do clima é real, incontestável e atinge todas as regiões do planeta”, disse ao Correio.

Alves duvida que o mundo consiga limitar o aumento da temperatura média a 1,5°C pactuado no Acordo de Paris e lembra que o patamar atual é de 1,1°C. “Se continuarmos com esse ritmo de emissões de gases do efeito estufa, em meados de 2050 poderemos ultrapassar o limite de 1,5°C. Espero que os países reforcem suas metas de compromisso, já consideradas bastante ambiciosas”, acrescentou o brasileiro, que participará virtualmente de dois painéis da COP26. 

O especialista do INPE defende o fim do subsídio aos combustíveis fósseis e credita aos governantes a falta de vontade em se comprometerem mais com o clima. “O custo das fontes de energia renovável caiu substancialmente e a tecnologia atual permite a transição. De alguma forma os países desenvolvidos precisam apoiar as nações em desenvolvimento para que a transição energética seja concreta”, observou Lincoln Alves.

J. Timmons Roberts, diretor do Laboratório de Desenvolvimento e Clima da Brown University (EUA) e diretor da Rede de Ciências Sociais do Clima (CSSN.org), considera a meta de 1,5°C extremamente ambiciosa. “No entanto, é importante que as nações tentem chegar lá. Não é justo que cada país tenha ações iguais. Os ricos e os mais responsáveis têm que fazer mais”, disse à reportagem. “Os paises desenvolvidos precisam reduzir as emissoes em 50% até 2030, em 80% até 2040, e em 100% até 2050”, defendeu o estudioso, que participará da COP26 na próxima semana. 

Eu acho... 

“Um acordo sobre créditos internacionais de carbono e a implementação do artigo 6 do Acordo de Paris — a criação de um mercado global de carbono — são um teste real, e o Brasil tem um grande papel a jogar nisso. Com uma forte implementação desse artigo, os países serão capazes de descarbonizar de forma mais econômica, e as florestas tropicais se manterão preservadas.”

Piers Forster, professor de física da mudança climática da University of Leeds 

(Reino Unido) 

“Não acho que a COP26 seja a nossa última chance. Sempre há mais pelo que lutarmos. Talvez esta seja a nossa última oportunidade de ficarmos abaixo do limite de 1,5°C de aumento médio da temperatura global. No entanto, um limite de 1,7°C ou de 1,9°C será muito melhor do que os de 2,7°C ou 3°C — patamares esperados pelos especialistas.”

J. Timmons Roberts, diretor do Laboratório de Desenvolvimento e Clima da Universidade Brown (em Rhode Island, EUA)

Temperatura em alta

Os sete anos entre 2015 e 2021 foram, provavelmente, os mais quentes já registrados. O alerta é da Organização Meteorológica Mundial (OMM), em um relatório no qual adverte que o clima começa a entrar em um “território desconhecido”. O dossiê anual sobre o estado do clima “tem por base os dados científicos mais recentes que mostram que o planeta está mudando diante dos nossos olhos”, afirmou o secretário-geral da ONU, António Guterres, citado no texto. 

O apelo do papa

Na tradicional oração do Ângelus, celebrada aos domingos, na Praça de São Pedro (Vaticano), o papa Francisco fez um apelo aos católicos. “Vamos rezar para que o choro da Terra e o choro dos pobres sejam ouvidos pelos participantes” da COP26, pediu o pontífice. “Que este encontro produza respostas eficientes, oferecendo esperança concreta às gerações futuras”, acrescentou. Em artigo publicado ontem, pelo jornal Il Corriere della Sera, Francisco disse que “é hora de agir, e agir juntos”.  

Carta aos líderes

Mesmo sem ter sido convidada para  a COP26, a ativista sueca Greta Thunberg, 18 anos, causou alvoroço ao desembarcar em Glasgow a bordo do chamado “trem do clima”, no sábado. A locomotiva transportou delegados de Holanda, Bélgica, Itália e Alemanha, além de ativistas e de legisladores do Parlamento Europeu, de Amsterdã para Glasgow. Ontem, Greta defendeu a assinatura de uma carta aberta postada no site Avaaz. O texto cobra uma ação efetiva dos líderes. “Como cidadãos de todo o planeta, pedimos que enfrentem a emergência climática. Não no próximo ano. Não no próximo mês. Agora”, escreveu no Twitter.