O Globo, n. 31438, 03/09/2019. Opinião, p. 2

Combate às milícias é vital para reduzir violência


As milícias teriam surgido no Rio nos anos 50, com os grupos de extermínio. Mas foi nos anos 90, em Rio das Pedras, na Zona Oeste, que nasceu o modelo criminoso que se espalhou para praticamente todas as regiões do estado, e está aí até hoje. De início, essas quadrilhas chegaram a iludir moradores, sob pretexto de que estavam ali para impedir que o tráfico se instalasse. Mas a realidade se mostrou bem diferente, e muito mais perversa.

Os grupos paramilitares, fundados por ex-policiais e bombeiros, sempre usaram métodos semelhantes aos de seus supostos rivais. No vácuo do Estado, implantaram suas próprias leis e montaram uma estrutura baseada no achaque aos moradores, para dar lucro e financiar a própria expansão. Criaram taxas para serviços básicos como segurança, transporte, gás, sinal de TV, internet etc. Depois passaram a investir pesado na construção civil, invadindo áreas públicas e privadas para construir imóveis irregulares, como acontece na comunidade da Muzema. Este é hoje um de seus negócios clandestinos mais rentáveis.

Nas áreas dominadas por milícias, não vigoram as leis do Estado, mas as das próprias quadrilhas, que, tal como o tráfico, usam o terror para manter o controle. Como mostraram reportagens do GLOBO publicadas domingo e segunda, a cada dois dias uma pessoa é assassinada por essas gangues em municípios da Região Metropolitana.

A estimativa é baseada em fatos concretos. Nos últimos 12 meses, a Polícia Civil e o Ministério Público encontraram seis cemitérios clandestinos atribuídos à milícia — dois em Itaboraí, dois em Queimados, um em Belford Roxo e outro em Itaguaí. Neles havia 45 corpos ou ossadas.

Segundo promotores e policiais, as milícias já matam mais do que o tráfico. Um indicador dessa letalidade está no número de prisões por assassinatos nos municípios onde há Delegacias de Homicídio. Este ano, foram 93 milicianos contra 58 traficantes.

A situação é tão trágica que algumas famílias cujos parentes foram assassinados pela milícia são obrigadas a continuar pagando as taxas exigidas.

Está claro que a atuação dessas quadrilhas de milicianos tem impacto direto nos índices de violência do estado. O promotor Fábio Corrêa, do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público, constatou que, em 2016, quando as milícias se expandiram em Queimados, os índices de homicídio no município da Baixada dispararam.

Portanto, a redução dos índices de violência no Rio passa necessariamente pelo combate às milícias. Sabe-se que o trabalho é complexo. Esses grupos paramilitares têm influência política e muitos seguidores. O promotor Jorge Furquim revela que há fila de espera para entrar na milícia. “Se prendemos um miliciano, logo há alguém para ocupar a vaga”, diz.

Mas não há outra saída a não ser o combate sistemático a esses grupos paramilitares que matam e espalham o terror no Rio. O Estado não pode se deixar acuar por essas quadrilhas.