O Globo, n. 31438, 03/09/2019. Opinião, p. 2

Incêndios expõem fiasco ambiental e afetam campanha de Evo Morales


Há treze anos no poder, e em plena disputa pelo quarto mandato presidencial consecutivo, o presidente boliviano Evo Morales enfrenta um problema inesperado: o impacto eleitoral do fracasso da sua política ambiental. A eleição será em outubro, e as pesquisas mais recentes indicam possibilidade de um segundo turno com o ex-presidente Carlos Mesa.

Na semana passada, quando mais de um milhão de hectares de floresta sucumbiam em incêndios na província de Santa Cruz, fronteira com o Brasil, Morales se viu obrigado a interromper a campanha e procurar respostas mais objetivas às críticas sobre a tibieza do governo na política ambiental.

Ele sobrevoou parte da área incendiada. Na volta, vestiu um uniforme de bombeiro e foi ajudar a apagar fogo na planície de Chiquitanía, zona de transição entre o Chaco e a Amazônia. A cena se destinava à propaganda eleitoral, mas o candidato se perdeu por quase uma hora na área incendiada. Resgatado, foi surpreendido pelos protestos. Na região há cidades como Roboré, com 80 mil hectares calcinados em cinco semanas.

Os problemas de Morales na área ambiental remontam a 2016, quando seu partido, o MAS, patrocinou uma legislação (nº 741), reforçada em junho por decreto presidencial (nº 3.973), liberando desmatamento e queima “controlada” para expansão agrícola. Organizações de defesa do meio ambiente consideram a decisão de Morales, combinada à negligência na fiscalização, o equivalente a um “ecocídio”.

O presidente refutou as críticas, acusando ONGs de interesses ocultos. Abstraiu a realidade com o argumento de que estava tudo sob controle. Não estava, como se vê no aumento dos incêndios, e como se pôde constatar na emblemática cena de resgate do presidente-candidato perdido na floresta carbonizada.

Morales já vinha enfrentando protestos nas ruas de diferentes cidades por insistir em se manter no poder, a despeito de uma proibição constitucional e de um referendo no qual eleitores reafirmaram a negativa à sua participação em novo pleito presidencial — ele conseguiu contornar os vetos da Constituição e das urnas em manobras nos bastidores da Justiça Eleitoral.

O descontrole dos incêndios nas zonas de expansão de culturas e pecuária fez recrudescer as manifestações nas maiores cidades.

O governo e o MAS temem os efeitos eleitorais, mas persistem dúvidas sobre a real capacidade da oposição a Morales capitalizar essa insatisfação e transformar o protesto em voto na disputa de 20 de outubro.