O Globo, n. 31438, 03/09/2019. Opinião, p. 2
Incêndios expõem fiasco ambiental e afetam campanha de Evo Morales
Há treze anos no poder, e em plena disputa pelo quarto mandato presidencial consecutivo, o presidente boliviano Evo Morales enfrenta um problema inesperado: o impacto eleitoral do fracasso da sua política ambiental. A eleição será em outubro, e as pesquisas mais recentes indicam possibilidade de um segundo turno com o ex-presidente Carlos Mesa.
Na semana passada, quando mais de um milhão de hectares de floresta sucumbiam em incêndios na província de Santa Cruz, fronteira com o Brasil, Morales se viu obrigado a interromper a campanha e procurar respostas mais objetivas às críticas sobre a tibieza do governo na política ambiental.
Ele sobrevoou parte da área incendiada. Na volta, vestiu um uniforme de bombeiro e foi ajudar a apagar fogo na planície de Chiquitanía, zona de transição entre o Chaco e a Amazônia. A cena se destinava à propaganda eleitoral, mas o candidato se perdeu por quase uma hora na área incendiada. Resgatado, foi surpreendido pelos protestos. Na região há cidades como Roboré, com 80 mil hectares calcinados em cinco semanas.
O presidente refutou as críticas, acusando ONGs de interesses ocultos. Abstraiu a realidade com o argumento de que estava tudo sob controle. Não estava, como se vê no aumento dos incêndios, e como se pôde constatar na emblemática cena de resgate do presidente-candidato perdido na floresta carbonizada.
Morales já vinha enfrentando protestos nas ruas de diferentes cidades por insistir em se manter no poder, a despeito de uma proibição constitucional e de um referendo no qual eleitores reafirmaram a negativa à sua participação em novo pleito presidencial — ele conseguiu contornar os vetos da Constituição e das urnas em manobras nos bastidores da Justiça Eleitoral.
O descontrole dos incêndios nas zonas de expansão de culturas e pecuária fez recrudescer as manifestações nas maiores cidades.
O governo e o MAS temem os efeitos eleitorais, mas persistem dúvidas sobre a real capacidade da oposição a Morales capitalizar essa insatisfação e transformar o protesto em voto na disputa de 20 de outubro.