O Globo, n. 31438, 03/09/2019. Rio, p. 13

Novo alvo
Aguirre Talento


A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) acesso à investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista Anderson Gomes para apurar “indícios de autoria intelectual” do crime por parte do conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ) Domingos Inácio Brazão. Para Dodge, ele pode ter usado a estrutura de seu cargo público para tentar obstruir a investigação do caso, sob a responsabilidade da Delegacia de Homicídios (DH) da Capital. Procurado, Brazão classificou a suspeita como “absurda”.

O parecer de Dodge se baseou em informações obtidas por procuradores do Ministério Público Federal. A Polícia Federal entrou no caso a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), para apurar uma suposta obstrução na apuração do assassinato no âmbito da Polícia Civil. O relatório produzido pela PF tem 600 páginas. Em seu pedido ao STJ, Dodge observou que um dos suspeitos do crime, o miliciano Orlando de Curicica, preso na Penitenciária Federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte, disse em depoimento que Brazão seria o possível mandante da execução. Na época, Orlando afirmou que foi pressionado por policiais da DH para assumir a autoria intelectual do crime.

Como Brazão tem foro privilegiado por ainda ser conselheiro do TCE-RJ, os indícios sobre sua eventual participação no crime levariam o inquérito para o STJ. Atualmente, o caso é acompanhado tanto pela Justiça estadual quanto pela Federal, por conta da “investigação da investigação”.

A PGR fez o pedido para ter acesso ao inquérito estadual porque depoimentos e provas obtidos pela Polícia Federal indicavam a existência de uma trama para desviar o foco da investigação da DH. Um dos personagens principais do inquérito conduzido pela delegacia é o PM Rodrigo Ferreira, conhecido como Ferreirinha, que afirmou ter trabalhado como motorista de Orlando de Curicica. Ele contou à polícia ter presenciado um encontro entre o miliciano e o vereador Marcelo Siciliano (PHS) num restaurante, onde teriam reclamado que Marielle estaria prejudicando seus negócios na Zona Oeste. A advogada de Ferreirinha, Camila Moreira, também é investigada. A suspeita é de que a denúncia tenha sido parte de uma manobra para encobrir os verdadeiros responsáveis pela morte da vereadora e de seu motorista.

Críticas à investigação

Na última sexta-feira, o ministro do STJ Raul Araújo determinou que a 28ª Vara Criminal do Rio entregue o inquérito à PGR, o que havia sido negado sob o argumento de “segredo de Justiça”. Porém Dodge argumentou que a negativa “obstrui o conhecimento do promotor natural, a procuradora-geral da República, de eventuais indícios da autoria intelectual de pessoa com prerrogativa de foro perante o Superior Tribunal de Justiça” e “mantém o grave estado atual de incerteza em relação aos mandantes do crime”.

Dodge escreveu ainda, em sua solicitação, que o conselheiro afastado do TCE teria usado um funcionário de seu gabinete, o policial federal aposentado Gilberto Ribeiro da Costa, para interferir na investigação da DH. Ele estaria por trás do falso testemunho de Ferreirinha. A PF levanta suspeitas de que o conselheiro tenha ligação com o grupo de matadores de aluguel conhecido como Escritório do Crime, que pode estar por trás do duplo homicídio.

Dodge, agora, pode pedir que Brazão seja investigado pelo STJ ou suscitar junto à corte superior um “incidente de deslocamento de competência”, que significaria federalizar a investigação. A procuradora geral também fez críticas ao fato de ninguém ter sido, até hoje, denunciado como mandante do crime.

Brazão, ao comentar a medida da PGR, disse que já prestou esclarecimentos às autoridades policiais e está à disposição para colaborar.

— Não sei a quem interessa insistir nesse absurdo. Já estive voluntariamente na sede da Polícia Federal na condição de testemunha e reitero minha disposição de colaborar. É muita falta de respeito com a família da vereadora e com a minha — afirmou o conselheiro.