O Globo, n. 31564, 07/01/2020. Mundo, p. 21

Democratas querem limitar ações militares de Trump no Irã



A presidente da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, a democrata Nancy Pelosi, disse que irá propor e levar à votação uma resolução para limitar novas ações militares de Donald Trump contra o Irã. A medida vem em reação ao ataque aéreo ordenado pelo presidente  americano que assassinou o general Qassem Soleimani, que dirigia as Forças Quds, unidade de elite da Guarda Revolucionária do Irã.

"Ela [a moção] reforça as responsabilidades de supervisão estabelecidas há muito tempo pelo Congresso, determinando que, se nenhuma outra ação legislativa for tomada, as hostilidades militares do governo contra o Irã deverão cessar em 30 dias", disse Pelosi em comunicado.

É provável que a medida de Pelosi seja aprovada pela Câmara, de maioria democrata, e siga para o Senado. Comandada pelos republicanos — muitos dos quais declararam apoio às ações de Trump —, esta Casa deverá bloquear a moção. Uma iniciativa similar foi apresentada pelo senador Tim Kaine, mas também deverá ser barrada.

O Congresso, na prática, deverá se ver obrigado a tratar do ataque a Soleimani em paralelo com outra pauta importante: o processo de impeachment contra Donald Trump. Aprovado pela Câmara no dia 18 de dezembro, ele se baseia nas acusações de abuso de poder e obstrução do Congresso em razão do imbróglio do presidente com a Ucrânia.

Se para os republicanos o ataque a Soleimani abre uma nova linha de defesa, baseada no argumento de que é “irresponsável tentar tirar o presidente do Salão Oval enquanto ele lida com questões de política internacional”, os democratas defendem que os dois assuntos não devem se cruzar. Segundo os opositores do presidente, o Senado é legalmente obrigado a prosseguir com o julgamento do presidente.

Os senadores, que voltaram de seu recesso de fim de ano nesta segunda-feira, no entanto, ainda não conseguiram chegar a um consenso sobre quem serão as testemunhas a depor. Mitch McConnell, presidente da Casa, defende que o processo comece e que a disputa seja resolvida durante as audiências. O líder da minoria democrata Chuck Schumer, por sua vez, defende que as regras sejam pré-estabelecidas para impedir que os republicanos neguem a possibilidade de convocar novas testemunhas.

A oposição democrata questiona não só o ataque contra Soleimani, realizado sem que o Congresso fosse informado, mas também as informações por trás da decisão. O presidente justificou sua ação afirmando que o general "planejava matar muitos mais". Militares e funcionários da Casa Branca, no entanto, questionam a real "iminência" de um ataque e a necessidade de uma operação tão extrema contra um integrante de um governo estrangeiro.

As divergências entre republicanos e democratas também se estendem para os comentários belicosos de Trump direcionados ao Irã. No domingo, o presidente voltou a afirmar que pode atacar locais de importância cultural para o Irã, uma vez que, segundo ele, o país "matou americanos". O presidente reiterou que, se houver ações contra pessoas e instalações americanas, os EUA responderão "rápida  e totalmente, talvez de maneira desproporcional". 

Segundo Trump, essa mensagem equivale a uma "notificação" do Congresso americano, onde os democratas o criticaram por ordenar a operação contra Soleimani sem consulta ao Legislativo. A Comissão de Assuntos Exteriores da Câmara, liderada pelo democrata Eliot Engel, respondeu ao presidente em seu Twitter, afirmando que “os poderes de guerra pertencem ao Congresso, segundo a Constituição dos Estados Unidos. Você deveria ler o Ato de Poderes de Guerra. E você não é um ditador”.

As deputadas Ilhan Omar e Alexandria Ocasio-Cortez, expoentes da ala esquerda do Partido Democrata e defensoras do impeachment, criticaram as ameaças do presidente, lembrando que ataques a pontos culturais constituem crimes de guerra. Segundo Ocasio-Cortez, locais como Persépolis e seus habitantes são “não só tesouros para o Irã, mas presentes para a Humanidade”. Ela também afirmou que as ameaças aos 52 alvos não faz com que o presidente seja “estratégico”, mas sim “um monstro”.

Pela lei internacional, destruir deliberadamente centros e locais culturais de um país é considerado crime de guerra. Além disso, Irã e Estados Unidos, segundo a Unesco, são signatários de uma convenção de 1972 que os obriga a preservarem centros culturais, inclusive em casos de conflito. A diretora-geral da organização, Audrey Azoulay, disse em uma reunião com o embaixador iraniano que "nenhuma medida deliberada pode danificar, direta ou indiretamente, o patrimônio cultural ou natural" de outros Estados.

Nesta segunda-feira, ao ser questionado sobre as declarações de Trump, o secretário de Defesa, Mark Esper, disse que "vai seguir as regras de conflito", sem dar detalhes.