Título: Leve gosto de ter sido passado para trás
Autor: José Eduardo de Oliveira Penna
Fonte: Jornal do Brasil, 16/04/2005, Economia & Negócios / Além do Fato, p. A18

A Petrobras comemorou recentemente seus cinqüenta anos de existência e sucesso. Durante os anos que precederam sua criação, várias correntes se enfrentaram na discussão sobre as vantagens de se ter uma empresa estatal para a pesquisa, a produção, o refino e o transporte do petróleo e combustíveis derivados.

As posições assumidas pelos diversos segmentos da sociedade brasileira refletiam suas respectivas visões da realidade e de seus interesses.

Não cabe, no âmbito deste artigo, um exame detalhado de todas essas posições, mas lembramo-nos de algumas:

Aos segmentos militares interessava a produção, em solo nacional, de petróleo para que na eventualidade de uma guerra (o Brasil acabara de sair da Segunda Guerra Mundial em que ficara extremamente vulnerável pela total ausência de petróleo), os nossos tanques, navios e tropas pudessem se locomover. Para isso seriam necessários 50.000 barris por dia.

Para outros, o Brasil deveria deixar à livre iniciativa, necessariamente internacional, a tarefa de descobrir, produzir, transportar e refinar o petróleo face à incapacidade técnica e financeira do setor privado nacional de fazê-lo.

Para um terceiro grupo, que incluía desde o mais extremado nacionalista até pessoas de grande moderação, as atividades petrolíferas deveriam ficar nas mãos do Estado, através de uma empresa estatal, porque somente esta empresa seria capaz de dar prioridade aos interesses brasileiros. Argumentava-se que, abrindo o setor aos trustes internacionais, esses entrariam no Brasil, corrompendo nossos governantes e transformando nosso país em uma Venezuela ou uma Arábia Saudita.

O lado ¿entreguista¿ argumentava que o importante era produzir o petróleo no solo brasileiro porque para isso teriam que ser perfurados poços e construídas refinarias aqui e que, numa emergência, se essas companhias se mostrassem inconvenientes, o país poderia ocupá-las sem mais problemas.

Acabou prevalecendo, no Congresso Nacional, a proposta, de uma Petrobras monopolista, ainda mais radical do que a proposta de Vargas (que era de uma Petrobras não monopolista).

O argumento definitivo, para as pessoas não extremadas, era de que prioridade para achar petróleo no Brasil só o Estado brasileiro daria. Que as multinacionais de petróleo não tinham, naquele momento, nenhum interesse nisso, tanto que, apesar de poderem fazê-lo (nada impedia essa atividade na época), não o tinham feito, preferindo explorar petróleo em lugares mais fáceis e imediatos como o Oriente Médio, onde o petróleo era e é achado a custos baixos e em grande quantidade.

Partiu-se, pois, para a vitoriosa experiência da Petrobras com toda a sua longa história, onde se alternaram momentos de grande prioridade para a pesquisa com momentos de diminuição acentuada da mesma, desestimulada pelos baixos preços internacionais do petróleo.

A Petrobras se manteve firme porque tinha o monopólio legal de pesquisar, produzir, refinar e transportar petróleo no Brasil. Ela viveu, cresceu, se expandiu às custas desse monopólio, às custas do que significa para os consumidores serem abastecidos por um monopólio.

Em outras palavras, o país pagou o preço do monopólio estatal do petróleo através de cinqüenta anos de falta de concorrência, de ineficiência, de custos elevados, para ter uma empresa que pensasse primeiro nos interesses do país e não nos interesses de uma multinacional qualquer.

Hoje, mesmo com a mitigação legal do monopólio estatal da Petrobras, a empresa ainda exerce um monopólio de fato: em vários segmentos da atividade petrolífera no Brasil a Petrobras domina 90% a 100% do negócio.

Foi um monopólio concedido por lei a uma empresa estatal que ainda hoje mantém uma situação monopolista que, em tese, deveria estar sujeita ao Cade.

Nos livros texto de economia do passado dizia-se: se é um monopólio inevitável, a atividade deve ser controlada pelo Estado e seus lucros e preços limitados, uma vez que os riscos da atividade empresarial, quando exercida em monopólio, são muito menores e portanto os preços praticados devem ser tabelados e limitados.

Quando a Petrobras está alcançando a auto-suficiência, quando a nação brasileira esperava haver chegado a hora de usufruir dos sacrifícios feitos durante 50 anos para manter esse monopólio, com os correlatos preços acima da média do resto do mundo, deparamo-nos com manifestações descabidas, dizendo que o preço do combustível no Brasil deve aumentar porque o petróleo está subindo nos mercados internacionais.

O que que nós temos com isso? Nosso petróleo custa ¿X¿ em reais e por ¿X¿ em reais deve ser vendido acrescido de um lucro razoável e tabelado pelo poder concedente.

Quando o petróleo era internacionalmente muito barato, a Petrobras vendia mais caro no Brasil porque seus custos eram mais elevados do que o petróleo árabe. Agora, que são mais baixos do que no mercado internacional, devem acompanhar o mesmo, gerando lucros extraordinários?

Monopólio só com lucro e preços tabelados: não venham querer dizer que os acionistas privados estarão sendo prejudicados. Deles foi o benefício, durante décadas, de serem acionistas de um monopólio com lucros garantidos pelos preços pagos a mais pela sociedade brasileira.

E, pelo amor de Deus, não venha o Copom dizer que, por causa do petróleo em alta no mercado internacional, a taxa Selic deve crescer: nós nada temos com isso.