O Globo, n. 31438, 03/09/2019. País, p. 6

De saída, Raquel Dodge nomeia procuradores
Jailton de Carvalho


A duas semanas do fim de seu mandato, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, nomeou quatro procuradores para atuar na Procuradoria Regional Eleitoral do Distrito Federal. A portaria com a nomeação foi publicada no Diário Oficial da União ontem, mas só vale a partir de 1º de outubro, quando Dodge não estará mais no comando do Ministério Público Federal (MPF).

Para procuradores que acompanham a questão de perto, com o preenchimento antecipado de cargos de chefia, Dodge engessa áreas estratégicas do MPF e deixa pequena margem de manobra para o sucessor montar equipes conforme sua linha de atuação.

Pela portaria 773, Dodge designou os procuradores Wellington Luis de Sousa Bonfim, Francisco de Assis Marinho Filho, Zilmar Antônio Drumond e José Jairo Gomes para “exercerem a titularidade dos ofícios de atuação concentrada (funções a serem exercidas pelos procuradores) em polo junto à Procuradoria Regional Eleitoral no Distrito Federal”.

Fiscais eleitorais

O presidente Jair Bolsonaro já havia reclamado de ato similar de Dodge. Na semana passada, com a portaria 770, ela nomeou as procuradoras Monica Dorotea Bora e Eloisa Helena Machado para os “ofícios de atuação concentrada em polo” junto à Procuradoria Regional Eleitoral do Paraná. A portaria também só produzirá efeitos a partir de 1º de outubro.

A tendência é que Bolsonaro deixe para indicar o novo procurador-geral da República após 17 de setembro e, com isso, a instituição fique sob comando interino de Alcides Martins, eleito vice-presidente do Conselho Superior do Ministério Público Federal.

Procuradores designados para esses “ofícios” passam a atuar como fiscais eleitorais. Eles têm mandatos de dois anos, contados a partir do momento em que assumem as funções. Os procuradores indicados foram escolhidos em eleições internas com base numa antiga portaria baixada durante a gestão do ex-procurador-geral Claudio Fonteles. Há outras listas nas mãos de Dodge, que pode seguir com as nomeações.

Para um grupo de procuradores, Dodge vem “violando” o direito do sucessor de escolher os chefes estaduais e regionais do MPF. Dodge fez as nomeações com base numa norma administrativa. Mas a lei complementar 75/93 define que a indicação dos chefes regionais e estaduais é competência exclusiva do procurador-geral da República. O argumento é que o novo titular teria o direito de mudar a regra das nomeações.

Uma corrente interna entende que, se quiser, o próximo procurador-geral pode desfazer as nomeações de Dodge e redefinir o perfil dos indicados. Mas, depois do fato consumado, eles teriam um enorme desgaste interno. A tendência é que os eventuais afastados se rebelem contra a indicação de novos nomes.

As disputas não se limitam ao exercício de um cargo de chefia ou busca por status. As chefias e as tarefas de fiscalização eleitoral rendem gratificações mensais de aproximadamente R$ 7 mil. Em alguns casos, o valor extra a ser incluído no contracheque pode chegar à casa dos R$ 15 mil.

Numa conversa no início da tarde de ontem, um ministro do Supremo Tribunal Federal criticou as nomeações antecipadas de Dodge. Para ele, a procuradora-geral deveria deixar para o sucessor a tarefa de indicar os futuros ocupantes de cargos de chefia. Esse ministro entende que não há há razão para a pressa, afinal os novos mandatos só começam em outubro. O ato de Dodge foi definido como “no mínimo, uma indelicadeza”.