Título: Mosaico religioso
Autor: Paula Barcellos
Fonte: Jornal do Brasil, 16/04/2005, Idéias & Livros, p. 1

Com uma quase explosiva polissemia de religiões nos últimos anos, nem o Brasil - país com mais católicos no mundo - conseguiu manter a fidelidade religiosa de seus fiéis. O percentual de católicos caiu de 83,76% em 1991 para 73,77% em 2000, o crescimento dos evangélicos foi de 9,05% para 15,45% e o aumento dos sem religião de 4,8% para 7,4% em 2000. Os dados são da pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), publicada em Atlas da filiação religiosa e indicadores sociais no Brasil (PUC/ Loyola).

Mas, como diria o filósofo francês Pierre Bourdieu, a estatística é apenas uma das formas de representar a vida. O desafio está justamente na interpretação sociológica de números, gráficos e tabelas.

- O Censo informa a religião declarada, o ato de confissão pública. Aquilo que falam para o Censo não significa fé na realidade. Se alguém cultua o demônio, por exemplo, não vai falar. O que se pode afirmar é que o número de católicos e umbandistas declarados está diminuindo - explica o sociólogo Antônio Flávio Pierucci.

Uma das justificativas para a diminuição seria a atual multiplicidade de afiliações de significado e prática da fé. Além das religiões, confissões e igrejas tradicionais, como o judaísmo, o espiritismo, o cristianismo católico e evangélico, é cada vez mais representativa a presença de antigas religiões orientais revisitadas e, agora, completamente estabelecidas no Brasil - como o Budismo e o Hare Krishna.

Ao mesmo tempo, de acordo com os estudos da antropóloga Regina Novaes, é significativo o número de jovens que se predispõe a mudar de religião e que reafirma seu pertencimento às igrejas evangélicas, às novas religiões japonesas, ao Budismo e até a grupos católicos ligados à Teologia da Libertação ou à Renovação Carismática.

Obviamente há jovens que se definem como ateus e agnósticos, mas, ainda segundo Regina, em nenhuma outra época houve tantos jovens sem religião que poderiam também ser classificados como religiosos sem religião - adeptos de formas não institucionais de espiritualidade que são normalmente classificadas como esotéricas, nova era, holísticas, de ecologia profunda etc.

Para Pierucci, essa visão da antropóloga é muito delicada.

- Não vou analisar projeções e dizer que os jovens de hoje são mais ou menos crentes. Há 30 anos, por exemplo, como era? Ninguém sabe - questiona.

O fenômeno de troca de crenças não se restringe ao Brasil. Religiões mundiais como o Catolicismo passaram a deixar-se penetrar por visões e versões vizinhas, diferentes e mesmo antes muito antagônicas a uma ortodoxia tradicional. Elas, explica Carlos Rodrigues Brandão, envolvem novos significados de crença e novas sensibilidades de fé a respeito do próprio sentido do sagrado. Essa seria uma maneira de tentar conservar a fé nos mais diversos fiéis.

Segundo pesquisa divulgada pela International Bulletin of Missionary Research, realizada pelos estudiosos norte-americanos David Barret e Todd Johnson, o crescimento anual do Islamismo no mundo é de 2,6%, enquanto do Catolicismo é de apenas 1,6% e do judaísmo de 0%. Surpreende a crescente representatividade do Sikhismo (religião criada no século 16 por um nativo hindu): aumento anual de 2,6% também. Análises sociológicas contundentes sobre esses dados ainda são escassas. Ou nas palavras do teólogo Leonardo Boff, esse discurso leva à polêmica de onde surgem os fundamentalismos.

Frente a tais porcentagens, talvez o dado mais interessante seja o fato de hoje haver muita gente pesquisando sobre religião.

- O que há é o dado público: todos falam mais da sua religião. Não há empecilho governamental para se conversar sobre isso no Brasil. O mundo da religião está muito devassado - acredita Pierucci.

Para ler Fé e ideologia: as dimensões do homem

Juan Luis Segundo (Loyola) Religião e globalização Ari Pedro Oro e Alberto Steil (Vozes)

Dicionário de cultos afro-brasileiros Olga Gudolle Cacciatore (forense)

Entre necessidade e desejo: diálogos da psicologia com a religião Geraldo José de Paiva (Loyola)

Neopentecostais Ricardo Mariano (Loyola)

Introdução ao protestantismo no Brasil Antônio Gouvêa Mendonça (Loyola)

A realidade social das religiões no Brasil Antônio Flávio Pierucci e Reginaldo Prandi (Hucitec)

Um sopro do espírito Reginaldo Prandi (Edusp)

O que é religião? Vivekananda (Lotus do Saber)

Razão X Religião Omar Ferri (Rigel)