O Globo, n. 31565, 08/01/2020. Mundo, p. 22

Planalto ordena discrição sobre disputa EUA- Irã

Eliane Oliveira
Jussara Soares


Depois da polêmica em torno da nota do Itamaraty divulgada na última sexta feira, que praticamente respaldou o assassinato do general iraniano Qassem Soleimani pelos Estados Unidos, a orientação do Planalto é evitar novas manifestações públicas a respeito do tema. A ideia é manter a agenda de alinhamento com os EUA e de combate a grupos terroristas — o que incluiria a Guarda Revolucionária do Irã, cuja força de elite era comandada por Soleimani.

Ao colunista de o GLOBO Lauro Jardim, um ministro palaciano resumiu a nova posição do governo: o general iraniano era responsável por uma série de ataques no Oriente Médio, mas é preciso deixar claro que “essa guerra não é nossa” e, por isso, faz-se necessário baixar o tom em torno do assunto.

— O Brasil agora vai ficar “pianinho” — resumiu o ministro.

Desapontamento iraniano

A nota do Itamaraty foi bastante criticada por diplomatas e especialistas, que estranharam o forte apoio do governo do presidente Jair Bolsonaro aos EUA, a classificação indireta de Soleimani como terrorista e a ausência da tradicional menção às Nações Unidas como fórum para a resolução de conflitos. O comunicado, intitulado

“Acontecimentos no Iraque e luta contra o terrorismo”, afirmava que terrorismo ameaça não apenas o Oriente Médio, mas também a América do Sul.

De acordo com fontes da área diplomática, antes de ser divulgada a nota do Itamaraty recebeu o aval do Palácio do Planalto e do Ministério da Defesa. Da mesma forma, a decisão de falar menos e agir mais em relação a esse tema foi tomada em conjunto pela Presidência da República e os ministérios das Relações Exteriores e da Defesa.

O tom do governo brasileiro na nota levou a Chancelaria iraniana a pedir explicações à Embaixada do Brasil em Teerã, no último domingo. Como o embaixador Rodrigo Azeredo está em férias, coube à encarregada de negócios, Maria Cristina Lopes, conversar com as autoridades.

Os iranianos reclamaram da posição do governo brasileiro, dizendo-se desapontados com a nota do Itamaraty. Queixaram-se que o Brasil só se solidarizou com os EUA, mas não olhou o lado do Irã, que considerou o assassinato do general um ato de guerra.

Segundo o Itamaraty, Lopes respondeu que o Brasil não se posicionou contra o Irã, mas sim contra a atuação do país no contexto atual. A diplomata destacou que as relações bilaterais são densas e históricas, mas que cada país tem sua própria política externa.

Uma nova reunião em Teerã está marcada para esta quarta-feira. O encontro havia sido agendado havia algum tempo e tinha a cultura como tema. A tendência, porém, é que a morte do general volte a ser discutida com a diplomata brasileira.

Apesar do silêncio determinado pela Presidência da República, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, continuará trabalhando nos bastidores. No próximo dia 10, ele participará de uma reunião na Colômbia cujo tema é o combate ao terrorismo. No início de março, será a vez de um encontro em Brasília de um subgrupo formado no ano passado durante uma conferência anti-Irã organizada pelos EUA em Varsóvia, e da qual Araújo participou.

Internamente, órgãos de segurança, como o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e a Polícia Federal, terão atenção redobrada para evitar possíveis retaliações no Brasil, informou outra fonte. Um dos argumentos do governo brasileiro é que existe uma forte ligação entre Teerã e Caracas, capital da Venezuela, que teria se transforma doem um santuário para os terroristas, financiando grupos como o movimento xiita Hezbollah, inclusive na Tríplice Fronteira. O Hezbollah, que faz parte do governo do Líbano, é classificado como terrorista pelo governo americano.

Heleno e Bolsonaro

O titular do GSI, general Augusto Heleno, teve várias reuniões ontem com o presidente Jair Bolsonaro. A primeira delas começou às 8h. O porta voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros,disse que o presidente Bolsonaro também conversou por telefone com Araújo. Segundo o porta-voz, o chanceler expôs suas percepções envolvendo “Irã, Iraque e Estados Unidos”.

No comércio, técnicos do Ministério da Agricultura disseram que as sanções dos EUA ao Irã, por si só, já dificultam a conclusão dos negócios, e que existe uma relação de dependência de milho e outras commodities brasileiras por parte do Irã. Os iranianos são importantes compradores de commodities agrícolas como milho, soja e proteína animal, garantindo um superávit comercial ao Brasil demais de US $2 bilhões em 2019.