O Estado de S. Paulo, n. 46963, 17/05/2022. Política, p. A10

Aos gritos, Bolsonaro cita 1964 e diz que eleição pode ser conturbada

Eduardo Gayer
Giordanna  Neves


Em discurso cheio de gritos e palavrões, o presidente Jair Bolsonaro comparou ontem o momento atual com o de 1964, ano do golpe militar, para dizer que a liberdade está ameaçada no País. "Os que tentaram nos roubar em 64 tentam nos roubar agora. Lá atrás pelas armas, hoje pelas canetas", afirmou o presidente em um evento com empresários em São Paulo. Em seu discurso, citou, ainda, a possibilidade de haver eleições "conturbadas" neste ano no Brasil.

A proteção às liberdades foi a justificativa usada por militares para derrubar o então presidente João Goulart e instalar o regime de exceção, que durou 21 anos no País e retirou direitos individuais e políticos, além de recrudescer a violência contra opositores.

No discurso, Bolsonaro voltou a minimizar a defesa do golpe militar em manifestações pró-governo – o que é inconstitucional. "Entendo tudo isso como liberdade de expressão", disse o presidente, chamando em seguida de "psicopata" e "imbecil" quem classifica os atos em que manifestantes pedem o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) como antidemocráticos.

O vice-presidente Hamilton Mourão também minimizou ontem manifestações que pregam a volta do AI-5 .

Eleições. No evento da Associação Paulista de Supermercados (Apas), Bolsonaro falou mais uma vez sobre a possibilidade de haver eleições conturbadas neste ano. O presidente tem feito críticas reiteradas às urnas eletrônicas e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), bem como aos ministros que vão conduzir as eleições de 2022.

"Poderemos ter outra crise. Poderemos ter eleições conturbadas. Imagine acabarmos as eleições e pairar, para um lado ou para o outro, a suspeição de que elas não foram limpas? Não queremos isso", disse.

O presidente insistiu que as eleições não podem ter qualquer suspeição. "Já vi falando que eu vou perder a eleição, vou perder minha família toda. Tá achando que vai me intimidar dando recado? Ou nós decidimos no voto, para valer, contabilizado, auditado, ou a gente se entrega. E, se entregar, vocês vão dar 50 anos ou mais para voltar a situação que está hoje em dia", afirmou. "Só Deus me tira de lá. Não adianta inventar canetada."

Ao se descrever como um "prisioneiro sem tornozeleira eletrônica" no comando do País, o presidente disse que nunca será preso. "Por Deus que está no céu, eu nunca serei preso. Não estou dando recado para ninguém."

Pré-candidato à reeleição pelo PL, Bolsonaro disse que as eleições deste ano serão um "ponto de inflexão para o Brasil e para o mundo". "Alguns querem a volta à cena do crime", afirmou, em referência a uma frase do ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSB) em 2018 – hoje pré-candidato a vice do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Inflação. Bolsonaro reconheceu o impacto da inflação na disputa pelo Palácio do Planalto. Sem citar Lula nominalmente, sugeriu que o eleitor faz comparações entre passado e presente na hora de escolher o candidato. "Uma parte da população não sabe ver diferença. Olha na ponta da linha como está o preço na gôndola do supermercado e vota de acordo com o que está vendo, achando que vai voltar o diesel a R$ 3, a lata de óleo a R$ 5", disse o presidente.

O presidente, no entanto, voltou a atribuir a inflação à crise causada pela pandemia da covid-19 e às medidas de contenção do novo coronavírus. E disse estar "buscando uma solução" para o preço dos combustíveis. "O mundo árabe nos adora, a recíproca é verdadeira", afirmou.

Marco Temporal. Mantendo o clima de tensão institucional, o presidente pediu que o Supremo não rejeite a tese do marco temporal e ameaçou descumprir uma eventual decisão da Corte nesse sentido. "O que sobra para mim se o Supremo aprovar isso? Eu tenho que pegar a chave na Presidência e entregar no Supremo, ou falar 'não vou cumprir'. Decisão ilegal não se cumpre."

O julgamento da revisão do marco temporal está paralisado no STF. Se aprovada, a tese tem o potencial de ampliar o número de terras indígenas demarcadas no País. Hoje, o entendimento legal é de que povos indígenas só podem requerer demarcação de terras se comprovarem ocupação do território na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.

O presidente ainda voltou a celebrar a queda de multas do Ibama e a defender o armamento da população. "Eu não durmo sem uma arma do meu lado", disse ele.