O Estado de S. Paulo, n. 46964, 18/05/2022. Espaço Aberto, p. A4

O SUS precisa ser financiado e emagrecer o País

Antônio Carlos do Nascimento


O fato de o Sistema Único de Saúde (SUS) ser subfinanciado desde sua criação não culpabiliza sumariamente governos de outrora ou o atual. A equação é rude e os componentes são complexos. Contudo, maltrata-nos sua agonia orçamentária de arrimos frágeis e flerte contínuo com o caos, sem qualquer pauta vigente e significante de discussão.

Aceitemos, porém, que, a despeito da míngua financeira, o SUS e suas vertentes carecem de mecanismos auditáveis de eficácia, que servirão para validá-lo perante as necessárias solicitações de recursos, além do que cederão elementos mensuráveis e impedientes de contestações.

Em outra observação de maiúscula importância está a necessidade de corrigir grave erro estratégico, condicionado por paradigma sem sustentação científica, que serviu e serve para prospectar o mercado futuro de medicamentos e materiais hospitalares, sem nos proteger de inquietantes padecimentos.

Desdenhada por quase um século e até há pouco compreendida como resultante de deslizes pessoais, a obesidade foi apresentada pela maioria dos profissionais de saúde – e por alguns, infelizmente, ainda o é – como opção revogável de conduta.

Plurifatorial em suas origens, uma vez estabelecido o ganho ponderal, nossos sistemas gestores cerebrais são readequados para novos padrões de ingestas calóricas, num moto-contínuo eventualmente interrompido, mas raramente revertido.

O Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas e Agravos não Transmissíveis no Brasil 20112022, do Ministério da Saúde, tem a intenção de minimizar o derretimento de verbas e melhorar significativamente os índices de saúde do País. Mas, em seu mais recente balanço, ao tempo de sua apresentação prospectada para o período 2021-2030, embora com meta pouco audaciosa, o quesito obesidade expressou o equívoco colossal ao qual me refiro, perpetuado a cada colegiado.

Pretendia-se apenas manter o porcentual de 15,1% de obesos na população adulta, mas em 2019 alcançávamos 20,3%, enquanto dados mais recentes fornecidos pelo IBGE apontam a obesidade com prevalência de ao menos 26,8% nesta imensa fração populacional.

Embora sejam corretas as orientações que estimulam a prática de exercícios físicos e a escolha de alimentos saudáveis, contemplá-las como condutas únicas para emagrecimento é inocente, para não dizer inútil, pois são ditames imprescindíveis para impedir a obesidade, talvez sua progressão, e não para tratá-la.

Em sua derivação mais apoteótica está o diabetes tipo 2, patologia na qual 80% de seus portadores são obesos. A potencial reversão da evolução diabética obtida com a perda ponderal precoce demonstra a inegável relação criador e criatura.

Observássemos somente os gastos contemplando algumas complicações vasculares com forte patrocínio do diabetes, veríamos escoando pelo ralo gigantescos montantes no tratamento de coronariopatias, acidentes vasculares cerebrais, insuficiências renais, cegueira e inúmeros outros distúrbios.

Mas a aptidão para a geração de negócios da obesidade é interminável, avançando para a deflagração de cânceres exigentes de quimioterapias milionárias, doenças articulares que suplicam próteses de preços exorbitantes e disfunções respiratórias solucionadas por aparelhos de assistência ventilatória cuja aquisição demanda vultosas cifras.

Em apontamento providencial, anoto que alguns municípios adequam seus setores de captação e atendimento de emergência para solucionarem, com drogas trombolíticas, casos de infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral isquêmico em curso, embora com preços estratosféricos; além de vidas, têm o propósito de salvar musculaturas cardíacas e tecidos cerebrais.

Não incomoda o custo brutal destes programas nem tão pouco as enormes despesas ambulatoriais e hospitalares na condução de todas as complicações, já estabelecidas, decorrentes da obesidade. Causa espanto, porém, que para os 40 milhões de brasileiros obesos reste apenas aguardar pelas desastrosas consequências e torcer para que tenham soluções pagáveis, por eles ou pelo poder público.

É evidente que o embate deve ser principiado pelo combate às causas deflagradoras, no que serão especialmente protegidos crianças e adolescentes, contudo, diante desta doença estabelecida, seu enfrentamento deve ser contundente, sobretudo médico, com tratamento farmacológico quando possível e cirúrgico quando necessário, sem que sejam dispensadas as mudanças comportamentais e dietéticas, naquilo que seja executável.

Embora eu refaça essa súplica reiteradamente, o faço de vários observatórios, no que pretendo alertar que o SUS implora justo, urgente e robusto financiamento, mas esta honrosa instituição, que nos orgulha em seus predicados, tem mostrado imperdoável inoperância diante da pandêmica obesidade.

Esta inoperante estratégia compromete o SUS em suas causas, mas a inobservância contábil faz pior, arrisca sua existência! 

Doutor em Endocrinologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, é membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia