O Globo, n. 31566, 09/01/2020. Sociedade, p. 24

Na Amazônia

Johanns Eller


O número de focos de fogo na Amazônia cresceu 30% em 2019 em relação ao ano anterior, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Ao todo, foram 89.178 incêndios detectados pelo satélite de 1º de janeiro a 31 de dezembro passado. É o maior número desde 2017, que registrou 107.439 focos.

Em agosto, quando ocorreu o auge das queimadas, foram 30.901 incêndios — o pior mês da série de 2019 e o mais incendiário desde 2010. O pico das queimadas ganhou repercussão mundial e levou lideranças estrangeiras, como o presidente da França, Emmanuel Macron, a pressionar Jair Bolsonaro por conta da política ambiental do Brasil.

Setembro, por sua vez, foi o segundo mês recordista do ano, com 19.925 focos de queimadas. O crescimento dos incêndios, no entanto, não coincidiu com um período de seca intensa, como no caso de 2017. Especialistas

apontam diversas evidências para ação humana na deflagração das chamas.

O chamado “dia do fogo”, investigado pela Polícia Federal,é um dos indícios da ação de fazendeiros e grileiros que desejavam chamara atenção do governo federal. Bolsonaro, por outro lado, responsabilizou em mais de uma ocasião as ONGs pelos incêndios.

Atos criminosos

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, o presidente e o vice-presidente, Hamilton Mourão, também atribuíram as queimadas ao período de seca na floresta em diferentes ocasiões, embora os números de 2019 tenham sido mais amenos do que nos anos anteriores.

Tasso Azevedo, engenheiro florestal e coordenador do MapBiomas Alerta, lembra que o período de seca da Amazônia ficou abaixo da média de anos anteriores.

— É uma área de floresta úmida, então o fogo tem basicamente uma origem ligada à ação humana. Não foi um ano que teve uma seca mais específica na Amazônia, e as queimadas estão muito associadas ao desmatamento. Os focos de incêndio aumentaram, ao mesmo tempo em que o desmatamento aumentou. É um indicador de um problema maior.

Além disso, segundo Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), boa parte dessa atividade ilegal está atrelada à agropecuária:

— Nossa agricultura tropical usa o fogo como ferramenta principal de limpeza. Normalmente, 85% dos focos de incêndio são da agricultura, só que parte do fogo sai do controle e passa para uma floresta degradada. O resto é incêndio proposital para queimaram ata derrubada. Mais de 90% dos incêndios, mesmo os de agricultura, são criminosos, porque não têm autorização.

Antonio Oviedo, pesquisador do Instituto Socioambiental (ISA), concorda:

— Este ano não foi muitos e copara a Amazônia, pelo contrário: 2019 apresentou um número de dias muito secos bastante inferiores aos dos anos anteriores. O aumento das queimadas nãoé ocasionado somente por fenômenos climáticos. As políticas e o discurso da agenda política deste governo têm passado uma mensagem que representa um convite ao crime ambiental, especialmente na Amazônia.

De acordo com o sistema AQ1Km do Inpe, que estima as áreas queimadas no Brasil com uma resolução espacial de um quilômetro, 70.698 km² da Amazônia foram queimados até novembro de 2019 — o equivalente ao território da Irlanda.

Os dados não consideram os números de dezembro, que ainda não foram divulgados. Mesmo sem considerar o último mês de 2019, os índices superam em quase 64% as áreas queimadas na floresta em 2018.

Oviedo, do ISA, alerta para o risco de danos irreversíveis ao bioma caso a temporada de queimadas volte acrescer neste ano.

— Temos diversos estudos que demonstram que a Amazônia está atingindo um ponto a partir do qual passará por sérias transformações ecológicas, no sentido de se tornar uma florestam ais seca, parecida como Cerrado. É o chamado ponto de não retorno. Se o Brasil, nos próximos três anos desse governo, experimentar condições de fogo que foram observada sem 2019, a floresta vai apresentar um sinal de alteração bastante forte.

Em entrevista ao “Valor Econômico”, ontem, Salles anunciou que pretende criar no próximo mês uma Secretaria da Amazônia em seu ministério. O órgão, voltado para o que chamou de bioeconomia, ecoturismo e exploração econômica, seria sediado em Manaus (AM).

A sede da futura secretaria já estaria acertada com o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC). Caso o novo órgão encontre barreiras burocráticas, o ministro disse cogitara criação de um escritório de uma secretaria já existente na capital amazonense. Salles, na entrevista, não fez menção às queimadas nem ao desmatamento, mas afirmou apostar no ecoturismo como uma reação às críticas de países estrangeiros à política ambiental do governo.

Procurado pelo GLOBO, o Ministério do Meio Ambiente não respondeu até a conclusão desta edição.