Título: Ratzinger enquadra colégio
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Fonte: Jornal do Brasil, 19/04/2005, Internacional, p. A8
Cardeal alemão defende doutrina, pede resistência a tendências modernas e é aplaudido em missa antes da votação
VATICANO - Em procissão e cantando o hino em latim Veni Creator, 115 cardeais se enclausuram ontem na Capela Sistina, para eleger o próximo líder da Igreja Católica. Antes, todos fizeram voto de silêncio, liderados pelo decano Joseph Ratzinger, e oraram. Alguns estavam emocionados, como o ucraniano Lubomyr Husar, que beijou a Bíblia. Às 17h24 (hora local), o cardeal italiano Piero Marini gritou Extra Omnes (''Todos Fora''). Os não-eleitores - incluindo os octagenários - saíram e foi fechada a porta de madeira.
O debate começou ainda sob o impacto da conservadora homilia de Ratzinger, celebrante da missa Pro Eligendo Romano Pontifice, que marca o início do Conclave e pede inspiração do Espírito Santo na escolha, pela primeira vez aberta aos fiéis na Basílica de São Pedro. O alemão, um dos mais fortes candidatos a suceder João Paulo II, teve sua posição reforçada depois que clamou aos demais prelados para que não se curvem a tendências modernas e defendeu as doutrinas tradicionais do Vaticano. Foi bastante aplaudido pela audiência.
Pediu aos eleitores que defendam uma ''fé adulta'', que resistam a ideologias, seitas e à mentalidade de que ''qualquer coisa serve'', marca dos tempos modernos. Aos 78 anos, o alemão (tido como um ''fazedor de papas'') pode ser considerado velho demais, mas sua ortodoxia tem forte apelo entre os conservadores.
- Caminhamos rumo a uma ditadura do relativismo, que não reconhece nada como definitivo e tem como maior valor o próprio ego e desejos. A Igreja precisa se opor às ondas de tendências e às últimas novidades - disse Ratzinger, dando a entender que o abandono do catolicismo na Europa é sua maior preocupação.
- Precisamos nos tornar maduros na fé adulta, precisamos guiar o rebanho de Cristo para esta fé - proclamou, dando um tom político. - A pequena barca com o pensamento dos cristãos sofreu com as ondas, jogada de um extremo ao outro: do marxismo ao liberalismo até a libertinagem, do coletivismo ao individualismo mais radical, do ateísmo a um vago misticismo, do agnosticismo ao sincretismo.
O sermão tocou em muitos dos temas que o alemão defendeu nos últimos 23 anos como chefe da Congregação para a Doutrina da Fé, sucessora moderna da Inquisição. Sua austera defesa da doutrina e o banimento de teólogos reformistas polarizaram a Igreja, ganhando aplausos dos conservadores, mas alienando moderados e causando atritos com outras fés que acusa de serem falsas.
- Temos que deixar uma herança duradoura e a única coisa eterna é a alma humana. Somos fruto do conhecimento, do amor, do gesto capaz de tocar corações, da palavra que abre a alma à alegria do Senhor. Então, vamos orar a Ele para que nos ajude a dar à Igreja um fruto que perdure. Só assim a Terra mudará de vale de lágrimas para jardim de Deus - avaliou.
A homilia ignorou preocupações de vários cardeais, como pobreza, Justiça, o Islã, a bioética, a moralidade sexual, a reforma da Igreja e o papel das mulheres no catolicismo. A partir de hoje, é possível que ocorram de duas a quatro votações diárias. Caso no terceiro dia os cardeais ainda não tenham coincidido em dois terços dos votos, haverá pausa de 24 horas, para mais conversas.