O Globo, n. 31567, 10/01/2020. Mundo, p. 20

Câmara limita poder militar de Trump contra irã



A Câmara dos Deputados dos Estados Unidos aprovou, ontem, uma moção que limita os poderes do presidente Donald Trump para ordenar uma ação militar contra o Irã. Apresentada pela presidente da Casa, a democrata Nancy Pelosi, a medida impede a Casa Branca de atacar o país persa a menos que obtenha autorização explícita do Congresso. Para ser transformada em lei, a medida ainda precisa ser aprovada pelo Senado.

Aprovada por 224 votos a favor e 194 contrários pela Câmara majoritariamente democrata, a moção obriga o presidente a interromper todas as atividades militares dos EUA no território do Irã. Novas operações, segundo o texto, precisarão ser autorizadas pelo Congresso, a menos no caso de um ataque armado iminente contra militares americanos. Pela legislação americana, o presidente não é obrigado a pedir o aval parlamentar para ações militares pontuais, mas apenas o Legislativo tem o poder de declarar formalmente uma guerra.

Críticas às explicações

A medida baseia-se na Lei de Poderes de Guerra de 1973, aprovada por causa da Guerra do Vietnã, que obriga o presidente a consultar o Congresso “em todas as instâncias possíveis” antes de pôr as Forças Armadas em risco. Ela foi formalmente anunciada na tarde de quarta-feira, horas após o pronunciamento no qual Trump rejeitou uma retaliação militar direta aos ataques iranianos contra duas bases que abrigam soldados americanos no Iraque, que não deixaram mortos ou feridos. Os ataques foram uma represália ao assassinato do general Qassem Soleimani, em 3 de janeiro numa operação de drones americanos.

A moção seguirá para o Senado, onde já tramita um projeto parecido, apresentado pelo senador Tim Kaine, democrata da Virgínia. Esta medida obrigaria o presidente a pedir ao Congresso, com 30 dias de antecedência, aval para ações militares contra o país persa.

Os republicanos têm maioria no Senado, e poderiam em tese barrar a limitação dos poderes de guerra de Trump. Dois senadores republicanos, Mike Lee e Rand Paul, no entanto, já declararam que votarão com a oposição democrata. Como os democratas e os independentes alinhados a eles somam 47 senadores, mais uma dissidência na bancada do governo deixaria os republicanos sem os 51 votos necessários para impedir a aprovação da lei.

Lee disse que estava “insatisfeito” com as justificativas “legais, factuais e morais” para o assassinato de Soleimani. Segundo o parlamentar, a sessão de informações dadas pelo governo ao Senado sobre o caso foi “provavelmente a pior” que viu sobre um assunto militar em seus nove anos na Casa. Sua maior preocupação, acentuou, diz respeito aos alertas feitos pelos funcionários da alta cúpula da segurança nacional americana para que os parlamentares não questionassem os motivos por trás da ação ordenada por Trump.

— O que nos disseram o tempo todo foi que, “olha, essa ação é necessária, esse era um cara ruim, nós tivemos que fazer isso” —disse Lee.

Democratas que participaram da sessão também o criticaram com veemência. Segundo o senador Chris Murphy, não foi mostrada qualquer “evidência de uma ameaça específica e iminente que autorizasse um ataque sem a autorização do Congresso”. Não se sabe quem comandou a sessão a portas fechadas, mas a participação dos secretários de Defesa, Mike Esper, e de Estado, Mike Pompeo, além da diretora da CIA, Gina Haspel, era esperada.

Sem provas

A oposição e a mídia americana vêm questionando a operação que assassinou Soleimani desde o início. Segundo Pompeo, um ataque orquestrado pelo general contra os interesses americanos seria iminente — mas o governo não mostrou, até o momento, nenhuma prova disso. Pelo contrário, fontes militares e da Casa Branca ouvidas pelo NewYork Times apontam que não havia nada fora do comum nas atividades de Soleimani.

Segundo o jornal, o assassinato era a opção mais dura do leque de medidas que o presidente poderia tomar em resposta à escalada de tensões com o país persa. Trump teria a escolhido, acredita-se, após assistir pela TV à tentativa de invasão da Embaixada dos EUA em Bagdá em repúdio a um bombardeio americano que matara 25 integrantes de uma milícia iraquiana pró-Irã.