O Globo, n. 31568, 11/01/2020. País, p. 8

Em 2010, CNJ concluiu que criação do juiz de garantias era inviável

Aguirre Talento
Carolina Brígido


O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que atualmente analisa formas de implantação da figura do juiz de garantias, já produziu um estudo técnico, em 2010, no qual concluiu pela inviabilidade da medida devido aos seus custos e alertou para a possibilidade de provocar lentidão e prescrição nos processos em andamento. O estudo foi enviado naquele ano ao Congresso Nacional para subsidiar as discussões de uma reforma do Código de Processo Penal.

Em 2010, o então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Cezar Peluso, que também comandou o CNJ, montou um grupo de trabalho com servidores do Judiciário, procuradores do Ministério Público Federal e advogados para discutir todas as mudanças previstas no CPC, dentre as quais estava a figura do juiz de garantias. A nota técnica com a conclusão dos trabalhos, assinada por Peluso em 17 de agosto de 2010 e enviada ao Congresso, apontou "incompatibilidade" do juiz de garantias com a estrutura do Judiciário.

"A consolidação dessa ideia, sob o aspecto operacional, mostra-se incompatível com a atual estrutura das justiças estadual e federal", disse a nota.

A análise feita pelo grupo é que, nas comarcas onde há apenas um juiz, seria necessário mais um magistrado para atuar como juiz de garantias, o que produziria despesas excessivas. O mesmo argumento foi citado recentemente pelo ministro Sergio Moro (Justiça), que criticou a medida após sua sanção pelo presidente Jair Bolsonaro dentro do pacote anticrime, em dezembro. O CNJ também alertou, em 2010, que a criação do juiz de garantias trazia riscos à "duração razoável" dos processos.

Consulta pública

Comandado atualmente pelo presidente do STF, Dias Toffoli, o CNJ abriu consulta pública para receber sugestões e informações sobre a aplicação do juiz de garantias, prevista por lei par avigorara partir do dia 23. O prazo para envio de manifestações terminou ontem. O CNJ tem até quarta-feira para analisar as mensagens antes de apresentara Toffoli um plano para colocara norma em prática. Entre as cer cade 70 manifestações, há sugestão para adiara aplicação da medida.

O CNJ não identificou os autores das manifestações, mas informou que a consulta foi aberta a órgãos do Judiciário e associações de classe. Ainda segundo o órgão, a maioria das sugestões foi encaminhada por juízes e tribunais.

Entre as propostas enviadas estão também a criação de varas regionalizadas, nas quais os magistrados atuem somente como juiz de garantias; digitalização dos processos físicos; instituição de um departamento para tramitação de inquéritos policiais nas sedes das circunscrições judiciárias; e realização de audiências, principalmente de custódia, por videoconferência. Também foram recebidas propostas defendendo a autonomia dos tribunais de Justiça para organizar e regulamentar a implementação da norma.

Em sua manifestação ao CNJ, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) argumentou que a criação do juiz de garantias prejudica a aplicação da Lei Maria da Penha.

Segundo a AMB, a nova regra veda a iniciativa do juiz na fase de investigação. Logo, ele não poderia aplicar medidas de urgência para garantir a proteção de mulheres.

"Considerando o epidêmico número de casos de feminicídio existentes hoje no Brasil, bem como que o escopo de incidência da Lei Maria da Penha é, principalmente, uma atuação cautelar durante a fase inquisitorial, vislumbra-se um alarmante retrocesso da legislação brasileira quanto à conquista histórica em termos de coibição e prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher no país", disse a entidade.

A AMB é autora de uma das três ações que tramitam no STF contra a criação do juiz de garantias. O presidente do tribunal, Dias Toffoli, deve julgar a causa nos próximos dias. Publicamente, o ministro elogiou a norma, afirmando que ela traz avanços no combate ao crime no país.

"A consolidação dessa ideia (...) mostra-se incompatível com a atual estrutura das justiças estadual e federal"

CNJ, em nota ao Congresso em 2010, contra o juiz de garantias