O Globo, n. 31436, 01/09/2019. País, p. 4

Contenção de danos
Jussara Soares
Eliane Oliveira
Daniel Gullino


Depois de ter contestado dados oficiais de desmatamento, criticado a política de demarcação de terras indígenas e recusado ajuda financeira internacional, o presidente Jair Bolsonaro acabou recuando após pressão de setores que temiam boicote a seus produtos no exterior, como o agronegócio. Ele deu sua chancela para que seja colocada em marcha uma campanha internacional de contenção de danos, antes da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, onde fará seu primeiro discurso de abertura, no dia 22 de setembro. A ação, que será feita por meio das redes sociais e de conversas com formadores de opinião, tem o objetivo de melhorar a percepção, sobretudo de países europeus, sobre as ações do governo voltadas para o meio ambiente.

A expectativa é que a campanha consiga passar a ideia que o governo não “quer acabar com a floresta amazônica” e que “objetivo da preservação é de todos”, dizem interlocutores. Bolsonaro também vai reforçar o discurso de que a crise envolvendo a Amazônia foi usada politicamente pelo presidente da França, Emmanuel Macron, e fará defesa enfática da soberania nacional, em resposta à proposta de “internacionalização” da floresta levantada pelo líder francês.

A meta, segundo relatou um interlocutor do Planalto, é “tirar o debate do campo político e emocional” e apresentar a formadores de opinião no exterior, bem como nas redes sociais, “dados técnicos do governo” que indiquem que “as queimadas, embora mereçam atenção, não estão além do que ocorre anualmente.” Monitoramentos nas redes sociais feitos pelo governo indicam que a percepção para estrangeiros é de destruição total da floresta.

O plano de ação para a Amazônia Legal, que ainda está sendo elaborado sob coordenação da Casa Civil, deverá ser utilizado na campanha internacional como uma prova de que a gestão de Bolsonaro não está inerte. Amanhã e terça-feira, uma comitiva de nove ministros viaja a Belém e Manaus para acompanhar a situação do combate às queimadas, que conta com o apoio das Forças Armadas. Na ocasião, eles devem conversar com os governadores dos nove estados que integram a região.

O Planalto informou que Bolsonaro vai aguardar o retorno da equipe para só depois estabelecer os eixos de atuação. Segundo auxiliares do presidente, a tendência não é haver uma mudança no conteúdo das propostas defendidas por Bolsonaro desde o período eleitoral, mas torná-lo mais “palatável” à opinião pública. O governo pretende levantar as ações previstas nos ministérios e reuni-las em um pacote de “desenvolvimento sustentável” para a Amazônia, deixando de lado o discurso de criminalização da fiscalização. Projetos como a não demarcação de novas terras indígenas e a regulamentação de extração mineral em áreas de reserva, que vinham sendo estudados, devem constar do plano.

A ideia, segundo um técnico envolvido na discussão, é adotar o discurso de que o desenvolvimento da região gera renda para a população e a afasta de atividades ilegais, como o garimpo e a extração de madeira. Para interlocutores, a crise que teve o auge de discussão nas redes sociais e na imprensa internacional nos dias 22 e 23 deste mês, segundo monitoramento do próprio governo, foi resultado de uma sequência de declarações “duras” de Bolsonaro. Eles consideram que, sem elas, as queimadas teriam sido tratadas como as dos anos anteriores. No auge das críticas internacionais, o presidente chegou a telefonar para líderes de 12 países, como Portugal, Espanha e Colômbia, para dizer que havia um exagero e que a situação não era tão ruim.

Nova aliança

O próximo passo é fazer um esforço diplomático para convencer parceiros internacionais a elaborar uma nova agenda ambiental global. Seria uma alternativa ao Acordo de Paris, assinado em 2015 por mais de 190 países comprometidos em adotar medidas para mitigar os efeitos do aquecimento global. Segundo interlocutores do Planalto, o plano abrangeria outros itens, como qualidade do ar, da água, florestas e acesso a saneamento básico.

A proposta já contaria com a simpatia de Estados Unidos, Israel, Reino Unido e o chamado Grupo de Visegrado, formado por Polônia, Hungria, República Tcheca e Eslováquia. Essa nova política teria sido o principal assunto tratado, na última sexta-feira, em uma reunião na Casa Branca, entre o presidente dos EUA, Donald Trump, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSLSP). Filho de Jair Bolsonaro, Eduardo recebeu o sinal verde de Trump para assumir a embaixada brasileira em Washington. Porém, seu nome terá de ser aprovado primeiro pelo Senado.