O Globo, n. 31436, 01/09/2019. País, p. 5

Bolsonaro fala em indulto para autores de massacres
Naira Trindade


O presidente Jair Bolsonaro afirmou que pretende conceder indulto para os policiais que participaram do massacre de Eldorado do Carajás (PA) — no qual 19 sem-terra foram mortos, em 1996 — e do massacre do Carandiru — que vitimou 111 presos, em 1992, em São Paulo — além dos envolvidos na morte do sequestrador do ônibus 174, em 2000, no Rio de Janeiro. Bolsonaro conversou durante mais de uma hora com jornalistas durante almoço no quartel-general do Exército.

A entrevista não pôde ser gravada nem anotada. Ao longo da semana, o presidente já havia falado sobre o plano de publicar um indulto para policiais, que incluiria “nomes surpreendentes”. Bolsonaro está pedindo a todos os comandantes dos estados a relação de policiais que podem ser beneficiados.

— Os que enquadrarem, eu vou dar — afirmou. Em relação ao massacre do Carandiru, o presidente afirmou que se o comandante da operação, coronel Ubiratan Guimarães, estivesse vivo, também seria beneficiado pelo indulto. Ubiratan foi assassinado a tiros em seu apartamento, em 2006.

Bolsonaro também lembrou do caso da apresentadora Ana Hickmann, que sofreu tentativa de assassinato por parte de um fã em Belo Horizonte, em 2016. O cunhado da apresentadora, Gustavo Correa, acabou matando o fã, que tinha invadido o quarto do hotel onde ela estava, e responde a processo por homicídio. — Não quero dar detalhes, mas tem casos que, se puder colocar, eu vou colocar. Como os policiais que estiveram no caso do Carandiru, do ônibus 174, Eldorado do Carajás. E, se tiver alguma pendência ainda, o caso da Ana Hickmann.

Abuso de autoridade

Bolsonaro também afirmou que vai vetar nove artigos da lei de abuso de autoridade, dos dez sugeridos pelo ministro da Justiça, Sergio Moro. Entre os trechos que deveriam ser excluídos, conforme a visão do ministro, estão os artigos que proíbem prisões em “desconformidade com a lei ”, o flagrante preparado e o uso de algemas quando o preso não oferece resistência à ação policial. O presidente ressaltou que ainda avalia o veto de um ponto da lei, sem citar qual.

— Isso já está definido, Vamos vetar nove dos dez pedidos — disse. Bolsonaro disse ainda que vai avaliar “dia adia” uma eventual indicação de Moro a uma das vagas do Supremo Tribunal Federal (STF). Bolsonaro acrescentou que o ministro da Advocacia Geral da União, André Mendonça, é “supremável” e brincou que o ministro “terrivelmente evangélico” tem chances de assumir uma cadeira na Corte.

Evangélico na Ancine

O presidente também quer outro nome “terrivelmente evangélico” para comandar a Agência Nacional de Cinema (Ancine). Em tom de piada, Bolsonaro disse que o novo indicado para a agência precisa saber “recitar 200 versículos, ter uma Bíblia embaixo do braço e o joelho ralado de ajoelhar no milho”. Na sexta-feira, o presidente pediu o afastamento de Christian de Castro da presidência da agência baseado num despacho da 5ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro. Ele foi substituído por Alex Braga Muniz, que integra a diretoria colegiada da agência.

“Doria está morto"

Bolsonaro também falou sobre política e disse que o governador de São Paulo, João Doria (PSDB-SP), “está morto” para a eleição de 2022. Na semana passada, os dois trocaram farpas, depois que Bolsonaro acusou Doria de “mamar” nos governos do PT e conseguir financiamento do BNDES para a compra de uma aeronave, por sua suposta proximidade com os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff.

Em resposta aos ataques de Bolsonaro, o governador de São Paulo disse que nunca precisou “mamar em teta nenhuma”. Sobre sua relação com o PSL, Bolsonaro disse que todos os candidatos na eleição municipal de 2020 teriam de ter o seu aval e não apenas o do presidente a legenda, Luciano Bivar: “Se eu não puder mandar, estou fora. Bivar só vai indicar onde eu não tiver indicação. Tem que passar pelo meu filtro”.

O presidente também disse ter avisado à equipe econômica que o governo não vai criar uma nova CMPF. O secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, tem defendido a criação de um imposto sobre transações financeiras, que substituiria outros tributos.

Queiroz “nota dez”

Mais cedo, ao assistir a uma apresentação da filha Laura, no regimento de cavalaria da Polícia Militar do Distrito Federal, Bolsonaro disse que conhece Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, desde 1984 e que Queiroz “é um cara sem problema, nota dez”.

— Eu conheço o Queiroz desde 1984. Ele era um soldado da brigada de paraquedista. Entrou na Polícia Militar, veio trabalhar na minha família. É um cara sem problema, nota dez — afirmou o presidente. Bolsonaro disse ainda que não tem mais nenhum contato com o ex-assessor de Flávio e que sequer conhece o paradeiro dele.

— Pelo que eu sei, ele já prestou depoimento por escrito. E, pelo que eu fiquei sabendo também, exime o meu filho de culpa. Ele responde pelos atos dele —defendeu Bolsonaro. Em fevereiro, Queiroz depôs por escrito ao Ministério Público do Rio (MP-RJ) e admitiu que ficava com parte dos salários dos funcionários do gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, mas garantiu que o parlamentar não tinha conhecido das suas ações.