O Estado de S. Paulo, n. 46966, 20/05/2022. Internacional, p. A16

Bloqueio russo a portos do Mar Negro leva ONU a emitir alerta sobre fome



A guerra entre Rússia e Ucrânia – dois dos maiores exportadores de grãos do mundo – vem causando escassez e aumento do preço dos alimentos. Ontem, Moscou condicionou a reabertura dos portos do Mar Negro, que poderia escoar a produção ucraniana, à suspensão das sanções. A crise levou a ONU a emitir um alerta para o agravamento da fome, que pode afetar dezenas de milhões de pessoas.

"As sanções interferem no livre-comércio de alimentos, incluindo trigo e fertilizantes", afirmou o vice-chanceler da Rússia, Andrei Rudenko. O Kremlin disse que só considera reabrir os portos ucranianos se as sanções contra a Rússia forem suspensas.

"Não impusemos restrições. Não precisamos rever nada. As sanções dos EUA e da Europa devem ser levantadas. São elas que nos impedem de avançar", disse o porta-voz do governo russo, Dmitri Peskov. "A situação é preocupante, mas não é culpa nossa."

Produção. O chanceler da Ucrânia, Dmitro Kuleba, responsabilizou a Rússia por exportar a fome para vários países. O trigo, que é base do pão, de massas e de outros alimentos, está preso em silos e armazéns ucranianos. Os navios russos impedem as exportações pelo Mar Negro e sobra apenas o envio por trem ou por meio de pequenos portos no Danúbio.

Em 2020, a Ucrânia foi o quarto maior exportador mundial de milho e o quinto de trigo. A Rússia foi o maior exportador mundial de trigo e de fertilizantes. A crise causada pela guerra vem afetando os preços. O presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, pediu que os russos liberem o Porto de Odessa, mas até agora não houve acordo.

Na quarta-feira, o diretor do Programa Mundial de Alimentos da ONU, David Beasley, disse que o bloqueio criou um caos induzido pela fome. "O fechamento dos portos é uma declaração de guerra à segurança alimentar global, resultando em fome, desestabilização e migração em massa. Se você tem coração, abra os portos", disse Beasley, falando ao presidente Vladimir Putin. O programa da ONU, que alimenta 125 milhões de pessoas, compra 50% de seus grãos da Ucrânia.

O impacto da guerra também foi sentido dentro da Rússia, que controla partes da Ucrânia e bloqueou o acesso a terras agrícolas e estoques. Na quarta-feira, um relatório parlamentar ucraniano acusou a Rússia de roubar 400 mil toneladas de grãos das regiões de Kherson, Zaporizhzhia, Donetsk e Luhansk. "As tropas russas estão destruindo armazéns, máquinas e infraestrutura, interrompendo a semeadura", afirma o relatório.

Medidas. Ontem, mais uma vez, o Kremlin colocou a culpa nas sanções. "A principal causa da fome no mundo são as medidas impensadas dos EUA e da UE", disse Maxim Oreshkin, conselheiro de Putin. Segundo ele, a Rússia se preparou para a crise alimentar ao adotar, antes da invasão, restrições e tarifas sobre exportações de cereais, óleos e fertilizantes. / AFP, REUTERS, NYT e WP

Escassez

Programa da ONU, que alimenta 125 milhões de pessoas, compra 50% de seus grãos da Ucrânia