O Estado de S. Paulo, n. 46552, 01/04/2021. Política, p. A8

6 presidenciáveis assinam manifesto pró-democracia

André Shalders


Um grupo de seis possíveis candidatos à Presidência da República em 2022 lançou ontem um manifesto em defesa da democracia, da Constituição Federal de 1988 e contra o autoritarismo. O texto foi divulgado no mesmo dia do 57.º aniversário do golpe militar de 1964.

A manifestação pró-democracia, assinada por nomes da centro-direita e da centro-esquerda, ocorre após o presidente Jair Bolsonaro demitir o ministro da Defesa, o general Fernando Azevedo e Silva, e os comandantes da Marinha, da Aeronáutica e do Exército. Tanto Azevedo e Silva quanto os comandantes deixaram o governo por serem contra um alinhamento político das Forças à gestão Bolsonaro, o que contraria a Constituição.

O manifesto é assinado pelo ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM), pelo apresentador de TV Luciano Huck, pelos ex-candidatos presidenciais em 2018, o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) e João Amoêdo (Novo), e pelos governadores tucanos João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS). Os seis são vistos como possíveis candidatos presidenciais em 2022, embora alguns deles não digam abertamente que desejam concorrer. É o caso do apresentador Luciano Huck.

“A conquista do Brasil sonhado por cada um de nós não pode prescindir da democracia. Ela é nosso legado, nosso chão, nosso farol. Cabe a cada um de nós defendê-la e lutar por seus princípios e valores”, diz um trecho do documento Manifesto pela Consciência Democrática. “Não há democracia sem Constituição. Não há liberdade sem justiça. Não há igualdade sem respeito. Não há prosperidade sem solidariedade”, continua a carta.

A iniciativa foi proposta por Luiz Henrique Mandetta. Ex-ministro da Saúde de Bolsonaro, ele foi demitido pelo presidente em abril do ano passado depois de defender medidas de isolamento social para combater a pandemia de covid-19. Segundo apurou o Estadão, as discussões sobre o manifesto começaram na noite de terça-feira e o texto foi costurado ao longo do dia de ontem com contribuições de todos os signatários.

“Pessoalmente, assinei por ser um ponto que não podemos abrir mão. Nossa liberdade e a democracia. E por ser apartidário e não fulanizado”, disse Luciano Huck ao Estadão. O grupo reunido em torno do documento se intitula Polo Democrático.

“Estamos tentando achar primeiro os pontos de convergência. Esse ponto da defesa da democracia é um ponto que une muito. Aí tem de trabalhar primeiro os pontos de convergência, o que a gente está de acordo, e depois você vê onde estão as divergências, para ver se são superáveis ou não”, disse Mandetta antes da divulgação do manifesto.

Outras personalidades foram chamadas a assinar, como o ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro e ex-juiz Sérgio Moro. Ele alegou que seu trabalho atual o impede de participar, embora tenha concordado com o conteúdo.

Outro virtual candidato em 2022, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não foi convidado a assinar a carta. O presidente do Democratas, ACM Neto, disse que a carta é uma iniciativa de políticos de centro, o que não impede que venha a ter novos signatários. “Não queremos excluir ninguém. Mas a partir daí a adesão pode ser ampla”, disse Neto.

O manifesto evoca a união de diferentes forças políticas na campanha por eleições “Diretas Já”, nos anos 1980, e avalia que “três décadas depois, a democracia brasileira é ameaçada”. “A democracia é o melhor dos sistemas políticos que a humanidade foi capaz de criar. Liberdade de expressão, respeito aos direitos individuais, justiça para todos, direito ao voto e ao protesto. Tudo isso só acontece em regimes democráticos. Fora da democracia o que existe é o excesso, o abuso, a transgressão, a intimidação, a ameaça e a submissão arbitrária do indivíduo ao Estado”, diz a carta.

A publicação do manifesto sela a reaproximação de Ciro Gomes, que foi ministro da Integração Nacional de Lula (20032006), das forças políticas de centro-direita. Na prática, Ciro quer se posicionar como candidato de centro para a disputa de 2022 ao Planalto. O texto marca também o início das articulações de Mandetta para tentar viabilizar sua candidatura.

“Exemplos não faltam para nos mostrar que o autoritarismo pode emergir das sombras, sempre que as sociedades silenciam na defesa dos valores democráticos”, diz o texto. “Homens e mulheres que apreciam a liberdade, sejam civis ou militares, independentemente de filiação partidária, cor, religião, e origem, devem estar unidos pela defesa da consciência democrática. Vamos defender o Brasil”, termina o texto.

Carta

"A conquista do Brasil sonhado por cada um de nós não pode prescindir da democracia."

"Não há democracia sem Constituição. Não há liberdade sem justiça. Não há igualdade sem respeito. Não há prosperidade sem solidariedade"

Trechos do 'Manifesto pela consciência democrática' assinado por seis presidenciáveis