Correio Braziliense, n. 21418, 06/11/2021. Política, p. 3

Empenho para reverter votos

Raphael Felice
Cristiane Noberto


A aprovação em primeiro turno da PEC dos Precatórios na Câmara dos Deputados transformou os bastidores da Casa Legislativa em um campo de batalha. A vitória parcial do governo está longe de ser uma garantia de que o texto será avalizado, também, em segundo turno.  

Segundo informações de analistas legislativos, a votação favorável ao governo pode desidratar e, de 312 votos, cair para algo próximo a 270 — a PEC precisa de pelo menos 308 votos para ser aprovada.

Nos bastidores da Câmara, as negociações estão a pleno vapor nas bancadas, principalmente no PDT. O partido teve votação majoritária a favor da PEC — 15 dos 21 deputados acompanharam o governo. A situação provocou crise na sigla e reações de caciques do partido. Ciro Gomes suspendeu a pré-candidatura, indignado com a votação de parlamentares da legenda. Carlos Lupi, presidente do PDT, disse que trabalha internamente para virar o jogo no segundo turno.  

“Estamos conversando individualmente com cada parlamentar para convencê-los da gravidade de dar esse cheque em branco pra um governo desqualificado, e eu tenho certeza de que até terça-feira vamos convencer a maioria”, ressaltou Lupi, em postagem nas redes sociais.

Debate

Os votos dos pedetistas pegaram de surpresa partidos da oposição. Apesar do clima de conflito, o momento atual é de debate para convencer os deputados da sigla a reverem sua posição.

“Nós temos de convencer os companheiros do PDT de que isso não é bom para o trabalhador. O PDT é um partido que sempre trabalhou pelos trabalhadores. Só precisamos tirar cinco votos de lá. Eles foram induzidos a errar pela falta de tempo para analisar o substitutivo”, disse o deputado Zé Carlos (PT-MA).

Em outro importante partido de esquerda, o PSB, também houve traições. Dos 32 parlamentares na Câmara, 10 votaram no texto. Marcelo Freixo (RJ), líder da minoria, e Alessandro Molon (RJ), líder da oposição, criticaram a postura de colegas.

Freixo afirmou que o partido orientou os parlamentares a votarem contra a proposta e afirmou que trabalha junto ao presidente do partido, Carlos Siqueira, para reverter o quadro na terça-feira.

Fora da esquerda, a polêmica em torno dos precatórios provocou discussões em setores do centro. No PSDB, 22 dos 31 deputados votaram “sim” pela aprovação da PEC. O partido do governador de São Paulo, João Doria — um dos inimigos políticos do presidente Jair Bolsonaro —, debate o assunto internamente.

Além da questão política, conversas de bastidores dão conta de um desconforto na bancada pelo fato de deputados não terem recebido o mesmo valor em emendas parlamentares — usadas para comprar apoio à PEC. Deputados que receberam emendas abaixo dos R$ 15 milhões liberados para a maioria dos que votaram com o governo estariam insatisfeitos.

 Apesar de ter registrado votação expressiva favoravelmente à PEC, o PSD (29 de 35) pretende, também, discutir o assunto internamente, assim como o Podemos, do qual metade dos seus 10 deputados foram a favor da PEC.

Ação no STF contra a PEC


Seis deputados de diferentes partidos entraram com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir a anulação da votação da Proposta de Emenda à Constituição 23/21, conhecida como PEC dos Precatórios. O projeto foi aprovado em primeiro turno em sessão da Câmara dos Deputados, na última quarta-feira, e libera R$ 91,6 bilhões no Orçamento de 2022 para pagar o Auxílio Brasil de R$ 400, mas tem recebido críticas, porque a folga fiscal pode ser usada com o objetivo de turbinar emendas de relator.

Assinam o documento Alessandro Molon (PSB-RJ), Fernanda Melchionna (PSol-RJ), Joice Hasselmann (PSDB-SP), Kim Kataguiri (DEM-SP), Marcelo Freixo (PSB-RJ) e Vanderlei Macris (PSD-SP).
Os parlamentares avaliam que o governo só conseguiu a votação necessária porque o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), adotou manobras controversas na votação, como a validação de votos de deputados licenciados por exercício de missão diplomática — o que contraria o Regimento Interno. A publicação do ato saiu no Diário Oficial da Casa minutos antes do início da sessão, ainda na noite de quarta-feira.

Ao Correio, a deputada federal Fernanda Melchionna afirmou que Lira adotou uma postura eleitoreira em prol do presidente Jair Bolsonaro. "Está fazendo de tudo para possibilitar a continuidade do governo Bolsonaro e tornar viável a reeleição do presidente. Para isso, está usando manobras que são evidentemente ilegais e abre precedentes perigosos", reprovou.

Melchionna ainda afirmou que o comportamento do presidente da Câmara tem sido recorrente. "Ele tem atropelado e mudado o regimento para diminuir a possibilidade de resistência da oposição. Não aceitaremos isso calados", enfatizou. "A PEC dos Precatórios é vendida por Bolsonaro como uma possibilidade de ajudar os mais pobres, mas é uma mentira. Ela vai apenas abrir ainda mais espaço no orçamento público para as emendas secretas, que estão sendo usadas para comprar votos."

A deputada Joice Hasselmann ressaltou que o documento apresentado ao Supremo pretende questionar supostas irregularidades. "Houve um desrespeito flagrante ao regimento, que, em seu artigo 235, especifica em quais casos o parlamentar está licenciado, afastado. No caso de viagens internacionais, o parlamentar está licenciado, afastado. Se ele está afastado, não pode votar", frisou.

Na avaliação do advogado constitucionalista Camilo Onoda Caldas, o pedido tem precedentes jurídicos. "Do ponto de vista material, o STF pode entender que houve a criação de uma PEC cujo conteúdo não é válido e, portanto, essa postergação de pagamento (dos precatórios, para abrir espaço no orçamento) é inconstitucional, ou seja, é um vício que diz respeito àquilo que a PEC trata e não ao modo como tramitou", observou. "Logo, existe a possibilidade de o STF reverter, seja com base no argumento da falta de validade formal, seja material. Sendo que o da falta de validade formal é mais difícil e mais improvável de ser acolhido, mas não impossível."