O Globo, n. 31569, 12/01/2020. Sociedade, p. 40-41

Mar de lixo plástico

Renato Grandelle


Da escova de dente aos pneus, passando pelo sapato e o filtro do cigarro,o plástico é um material onipresente em nossas vidas —e, considerando a forma como o consumimos, isso não é um bom sinal. A mais nova tentativa de reduzir sua presença em nosso cotidiano começa na próxima quarta-feira, quando os supermercados do estado do Rio, onde já havia um limite de duas sacolas plásticas gratuitas por cliente, não serão mais obrigados a oferecer nem isso.

Cerca de 6% do consumo global de combustível fóssil é destinado atualmente à fabricação de plástico, e este índice pode chegar a 20% até 2050, segundo a Agência Internacional de Energia. Trata-se, portanto, de um artigo que contribui para a emissão de gases estufa. Muitas vezes é descartado depois de ser usado apenas uma vez, sem passar por um processo de reciclagem. O Brasil serve de mau exemplo na área. É o quarto país com maior produção de plástico — 11,3 milhões de toneladas anuais, atrás apenas de EUA, China e Índia —, e recicla somente 1,23% do material, de acordo com levantamento da ONG WWF. A média mundial é de 9%.

— Faltam políticas públicas eficientes para reciclagem e engajamento da sociedade. Muitas pessoas não separam os resíduos em suas casas — lamenta Glaucia Olivatto, pesquisadora do Departamento de Química e Meio Ambiente da USP.

— O plástico não precisa ser totalmente eliminado. É usado com sucesso no setor hospitalar e na embalagem de alimentos, mas precisamos cobrar da indústria materiais cuja produção tenha baixo impacto ambiental. O país também esteve entre os seis Estados-membros da ONU que,no ano passado,não assinaram um acordo global para limitar a produção de plástico de uso único,uma medida que poderia incentivar pesquisas científicas que desenvolveriam alternativas ao material, além de novas técnicas de reciclagem.

A medida foi aprovada por 187 nações. Procurado pelo GLOBO,o Ministério do Meio Ambiente não justificou o veto brasileiro. Na falta de um tratamento industrial adequado para o plástico, o mar transforma-se em lixeira. Uma pesquisa realizada pela PUC-Rio no ano passado mostrou que a Baía de Guanabara é uma das regiões do mundo com maior concentração de microplásticos — as partículas inferiores a 0,5 milímetro. São 7,1 itens por metro cúbico, segundo amostras coletadas perto da Ilha do Fundão, do Museu do Amanhã e do Aeroporto Santos Dumont. No mundo inteiro, a ONU estima que até 12 milhões de toneladas métricas de plástico entram no mar todos os anos. Uma marca da negligência mundial é a Grande Ilha de Lixo

do Pacífico, um depósito de detritos no oceano entre a Califórnia e o Havaí. Nesse território, que é três vezes maior do que a França, boiam cerca de 1,8 trilhão de peças de plástico. A superfície do oceano não é o limite do material. Sacolas e embalagens de balas foram encontradas em uma expedição em maio na Fossa das Marianas, a 11 quilômetros de profundidade, também no Pacífico. Os microplásticos chegaram ainda ao Ártico, carregados por ventos e, depois, misturados à neve.

Espécies sufocadas

O desastre ambiental repercute nas espécies marinhas. Um levantamento da Proteção Animal Mundial (WAP) estimou que os sacos plásticos no oceano matam cerca de 100 mil mamíferos por ano. Alexander Turra, professor titular do Instituto Oceanográfico da USP, pesquisou resíduos plásticos que alcançam praias de São Paulo, Alagoas e Bahia. O biólogo observa que um dos danos mais comuns provocados pela poluição marinha é a ingestão de plástico por animais.

Os itens engolidos podem perfurar o sistema digestivo dos animais e fazer com que percam a capacidade de se alimentar. Também é comum encontrar espécies aprisionadas ou sufocadas por redes e linhas abandonadas no mar. Turra, que também é responsável pela Cátedra Unesco para Sustentabilidade dos Oceanos, critica a desorganização do sistema de reciclagem de plástico — onde há, segundo ele, “muitos atores e muitos pontos de perda”. Entre as medidas sugeridas pelo biólogo está o aumento de incentivos para a iniciativa privada administrar toda a trajetória percorrida pelo seu produto, da geração de seu design à gestão do resíduo.

— Um dos grandes gargalos na reciclagem é a falta da cadeia logística necessária para produzir uma economia circular — explica.

— Hoje, temos uma cadeia que fabrica o plástico, outra que o transformará em um produto e que, dali, vai levá-lo à distribuidora, que é o mercado, chegando por fim ao consumidor. No entanto, não existe um caminho de volta estruturado. O material, depois de usado, não retorna à sua origem. Secretária-executiva do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, Andrea Santos exaspera-se com o crescimento da indústria petroquímica, que vai na contramão dos compromissos globais pela redução da emissão de gases de efeito estufa.

—Temos nanoplásticos nos ecossistemas, que são ainda menores do que as micropartículas — adverte Andrea Santos, que também é professora da Coppe/UFRJ.

—Podem penetrar em tecidos e órgãos de nosso corpo e provocar efeitos toxicológicos que afetam nossa saúde, como desordens comportamentais e alimentares e inibição do crescimento.

Sacolas do material são banidas em sete estados

Iniciativas para a retirada do plástico do cotidiano ainda engatinham país afora. Um levantamento conduzido pelo WWF-Brasil aponta que apenas sete estados brasileiros — Rio, Amapá, Amazonas, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás e Maranhão — têm legislação sobre banimento das sacolas plásticas. A rejeição aos canudos é menos tímida, tendo sido adotada em nove estados — Rio, Distrito Federal, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e São Paulo. Segundo a ONG, entre 93 municípios com influência regional, 80 já têm lei em vigor sobre o tema.

No ano passado, quando a ONU começou a debater um acordo global contra o lixo plástico nos oceanos, o WWF lançou uma petição mundial contra o despejo do material nos mares. Até agora, foram coletadas 1,3 milhão de assinaturas. Do Brasil, país que se destaca pela extensa fabricação do produto, vieram apenas 50 mil signatários.

— Não é muito, considerando nossa produção de lixo plástico — lamenta Anna Carolina Lobo, coordenadora do Programa Marinho e Mata Atlântica do WWFBrasil.

— Este ano será crucial, porque diversos acordos internacionais serão revistos, e precisamos incluir esta discussão.

Até agora, 127 países já impuseram limites na comercialização de sacolas de plástico. É consenso que o combate ao plástico depende de um tripé — políticas de incentivo do poder público, inovação empresarial e estímulo à população.

Divisões

O caminho ao mundo sem poluentes, porém, é controverso. Soluções simples, como a substituição do saco plástico por materiais como uma caixa de madeira, são vistas como restritas pelo empresariado.

O desenvolvimento de novas tecnologias também tem seus opositores, já que demorariam até ter um preço acessível à maioria da população. Professor titular do Instituto Oceanográfico da USP, Alexander Turra acredita que o plástico não precisa de um substituto, desde que ganhe características “mais amigáveis” ao meio ambiente.

— Trata-se de um produto que tem um preço acessível e pode continuar assim, caso tenha uma matriz orgânica, à base de cana de açúcar — explica.

— O banimento de um produto não é uma solução pedagógica nem faz com que as pessoas mudem de atitude. No Rio, quando os canudos foram proibidos, a água de coco começou a ser servida em um copo plástico descartável. Para Andrea Santos, secretária-executiva do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, a situação da indústria petroquímica é “politicamente complicada”.

— Este setor deveria se adaptar, diversificando os modos de produção de energia — recomenda ela, que é professora da Coppe/UFRJ.

—O setor privado tem um papel muito forte na transição para uma economia de baixo carbono. Para isso, no entanto, elas pedem financiamentos governamentais e menos taxas sobre seu trabalho. Desde junho, os mercados podem vender sacolas de plástico a preço de custo (entre R$ 0,05 e R$ 0,08). Mesmo que o custo seja irrisório, Andrea acredita que, aos poucos, convencerá a população a abandonar o produto.

— Uma pequena parcela da população não usa o plástico por consciência ambiental. Outros podem se adaptar às novas regras por questão econômica.

Como tirar o plástico do seu cotidiano

> Troque as sacolas convencionais dos supermercados, produzidas a partir de combustíveis fósseis, e que demoram séculos para se decompor, por aquelas produzidas com plástico verde, material derivado do etanol.

> Também vale recorrer a outras embalagens biodegradáveis, como a folha de bananeira, além da madeira, que é reutilizável.

> Evite acomodar frutas e legumes em sacolas plásticas para pesagem. Isso pode ser feito no caixa do mercado.

> As sacolas e mochilas também podem ser usadas em outros estabelecimentos, como farmácias.

> Evite alimentos embalados em plástico, como os processados. Troque as escovas de dente com cerdas de plástico por outras em que elas são substituídas por bambu.

>lugar para aquelas de alumínio.

> Use fraldas de pano, em vez de plástico — além de ecologicamente corretas, são também mais baratas.

> Atenção para os materiais que fazem parte de seu vestuário. Os sapatos têm diversos tipos de plástico, entre outros itens, o que dificulta a sua reciclagem. Por isso, procure repará-los antes de comprar novos pares.

> Fumantes devem jogar fora o filtro do cigarro, feito de plástico, em latas de lixo, e não no chão. Use fósforos em vez de isqueiros de plástico descartáveis.