O Globo, n. 31589, 01/02/2020. Economia, p. 28
O liberalismo à moda da casa
Míriam Leitão
O governo colocou de uma vez R$ 8 bilhões numa estatal controlada pela Marinha e que constrói corvetas, a Emgepron. O ministro da Economia, Paulo Guedes, é liberal, a conjuntura é de aguda restrição fiscal, mas R$ 10 bi foram gastos em capitalização de estatais, a maior parte para essa da área militar. Criou uma estatal este ano, a NAV Brasil, também na área militar, que pode vir a ter 13,5 mil funcionários. Então o déficit do Tesouro que o ministro prometeu zerar no primeiro ano terminou em R$ 95 bi, e houve expansão de gastos com estatais.
Em outro evento, promovido pelo Credit Suisse, o ex-presidente do Banco Central Persio Arida duvidou do liberalismo do governo:
— A agenda das privatizações decepcionou, e a abertura comercial não aconteceu. Vamos pegar dois fundos para mostrar o quanto o governo não é liberal como se diz. O FGTS é uma poupança compulsória, que só fazia sentido na época em que o Brasil não tinha crédito. O FAT tem R$ 370 bilhões, o que significa 10 anos de financiamento do Bolsa Família. O que o governo fez? Liberou dinheiro do FGTS para estimular consumo. Diminuiu o Fundo, mas não acabou. A Caixa continua monopolista com taxas altas de administração. O FAT é formado por um imposto e vai para o BNDES, que empresta e não precisa pagar ao FAT, apenas juros. O governo não acaba com os dois fundos porque a Caixa e o BNDES não querem. Isso não é liberalismo. Liberalismo é proteger o público do privado e neste caso o governo cede ao lobby.
No FGTS, Persio acha que o dinheiro deveria voltar ao seu dono, sem restrições, ou no mínimo dar aos trabalhadores o direito de aplicar onde quiser. Manter na Caixa de fato não é nada liberal.
Ele lembrou ainda, para desconforto da plateia do mercado, quase toda governista, que privatização é vender estatais. Quando se vende subsidiária, o dinheiro vai para a estatal.
Armínio Fraga, falando no mesmo evento, mostrou a razão pela qual é preciso diminuir o tamanho do Estado para ele investir:
— O Estado continua quebrado, inchado e não investe mais do que 1% do PIB. Cerca de 80% do gasto é previdência e pessoal. A média do mundo é 50% a 60%. Se o Brasil chegasse na média e acabasse com subsídios, liberaria 10 pontos percentuais de gasto sobre o PIB, poderia terminar o ajuste com 3% e teria mais 7% para investir. Concordo com o Persio, este governo não é tão liberal assim.
Os dois disseram que para crescer o país precisaria investir muito em educação, que definiram como uma tragédia que se agrava.
No evento do CLP, o ministro Paulo Guedes jogou sobre o Congresso a conta da demora de outras reformas e saiu do recinto sem tempo de ouvir a resposta de Rodrigo Maia, que falou em seguida. Ele lamentou a ausência de Guedes, porque queria dizer “não é bem assim”. Maia lembrou que as reformas tributária e administrativa não chegaram ao Congresso e que a PEC emergencial atropelou uma proposta mais ambiciosa de iniciativa do Congresso:
— A do governo vai economizar de R$ 10 bilhões a R$ 15 bi, a do deputado Pedro Paulo economizaria R$ 100 bilhões.
No evento do Credit Suisse também falou uma ex-assistente de Milton Friedman, Deirdre McCloskey, defendendo uma visão radical e impiedosa do liberalismo. A economista se chamava Donald, fez cirurgia e assumiu como Deirdre a sua identidade feminina. Por ter dito que o governo Bolsonaro é tudo menos liberal, teve sua palestra suspensa na Petrobras.
E assim caminha o liberalismo à moda Bolsonaro: censurando, criando estatais, capitalizando empresas militares e mantendo o monopólio da Caixa em poupança compulsória.