O Globo, n. 31589, 01/02/2020. Mundo, p. 31

Rumo à absolvição


As lideranças governistas no Senado dos EUA conseguiram evitar o último obstáculo para a absolvição de Donald Trump no processo de impeachment ligado às suas questionáveis relações com a Ucrânia. Por 51 votos a 49, os parlamentares barraram a proposta de permitir a convocação de novas testemunhas e a apresentação de novos documentos, ponto central da estratégia de acusação dos democratas.

O primeiro nome cogitado para depor era o do ex-conselheiro de Segurança Nacional John Bolton — segundo trechos de um livro seu sobre seus pouco mais de 500 dias na Casa Branca, revelados pelo New York Times, o embaixador afirma que o presidente usou a suspensão de uma ajuda militar de US$ 391 milhões à Ucrânia para forçar o governo local a investigar o ex-vice-presidente Joe Biden e seu filho Hunter, que foi membro do conselho de uma empresa de energia do país. Trump rejeita as acusações.

Dissidentes controlados

Essa pressão é o ponto central do caso: de acordo com a investigação conduzida pela Câmara dos Deputados, o presidente queria "achar sujeira" sobre Biden para usá-la durante a campanha presidencial — o ex-vice-presidente é um dos favoritos para obter a indicação do Partido Democrata. Para isso, Trump exerceu pressão direta sobre o presidente Volodymyr Zelensky, incluindo uma ligação telefônica em julho do ano passado, e montou um canal diplomático "alternativo" com o governo ucraniano, liderado por seu advogado pessoal, Rudy Giuliani, para tentar garantir o sucesso da operação.

As revelações do livro de Bolton deram força aos planos dos democratas para chamar novas testemunhas. Em minoria na Casa (53 a 47, incluindo dois independentes), eles precisavam do apoio de pelo menos quatro senadores republicanos, o que parecia possível entre terça e quarta-feira. Mas uma ofensiva liderada pelo líder da maioria, Mitch McConnell, minou esses planos, mudando a opinião de quase todos os "dissidentes". Apenas dois senadores governistas votaram com a oposição: Susan Collins e Mitt Romney, um velho algoz do presidente. Todos os democratas e independentes apoiaram a moção derrotada.

'Uma grande tragédia'

O senador republicano Lamar Alexander, um dos indecisos que acabaram votando contra novas testemunhas, alegou não achar que o país aceitaria o impeachment do presidente, embora tenha reconhecido que Trump cometeu "atos impróprios".

— A questão é se você aplica a pena capital para toda ofensa. E acho que neste caso a resposta é "não", deixem as pessoas tomarem essa decisão. Para o líder da minoria, Chuck Schumer, o resultado "foi uma tragédia".

— (Ficar) Sem testemunhas, sem documentos em um julgamento de impeachment é uma grande tragédia. Uma das piores tragédias que este Senado enfrentou. Os EUA se lembrarão deste dia, infelizmente, quando o Senado não observou suas responsabilidades.

Antes da votação, John Kelly, ex-chefe de Gabinete de Trump que se tornou crítico do presidente, disse que um julgamento sem testemunhas é incompleto.

— Se estivesse aconselhando o Senado dos EUA, eu diria: 'Se vocês não derem uma resposta a 75% dos eleitores americanos e permitirem testemunhas, é um trabalho feito pela metade' — afirmou à NJ Advance Media.

Kelly se referia a uma pesquisa da Universidade Quinnipiac, divulgada esta semana, mostrando que três quartos dos americanos defendem novos depoimentos no julgamento.

John Bolton é conhecido por sua ojeriza aos democratas, porém se mostrou disposto a falar. Segundo pessoas que tiveram acesso ao livro, que tem lançamento previsto para março, o ex-conselheiro tem informações que podem ser extremamente danosas ao presidente. Com o veto à sua presença no Senado, alguns democratas articulam sua convocação na Câmara, onde falaria em uma das comissões controladas pelo partido.

Além do voto sobre as convocações, os senadores discutiram os próximos e quase protocolares passos do julgamento. Havia a expectativa de que tudo pudesse ser decidido ainda ontem, com a Casa votando as duas acusações, de abuso de poder e obstrução do Congresso. Contudo, uma iniciativa de McConnell empurrou o fim do processo para a semana que vem.

Novas emendas

Assim, a próxima sessão acontecerá na segunda-feira, dando à defesa e à acusação espaço para que façam as considerações finais. Os senadores também devem ter direito a se pronunciar, uma forma de marcar posição antes das eleições de novembro, quando estarão em disputa 33 assentos na Casa. Só depois disso acontecerá o voto final, marcada para ocorrer na quarta-feira.

Para a Casa Branca, o cenário perfeito incluiria uma provável absolvição antes de terça-feira, quando Donald Trump fará seu discurso sobre o Estado da União, o último de seu atual mandato.

Após a votação, o líder da minoria, Chuck Schumer, apresentou quatro novas emendas, uma delas para tentar forçar a convocação de Bolton — como no resultado principal, o plenário rejeitou a iniciativa por 51 votos a 49.