O Globo, n. 31570, 13/01/2020. Sociedade, p. 19

Antártica brasileira

Elcio Braga


Quase oito anos após o incêndio que a destruiu parcialmente, a Estação Comandante Ferraz será reinaugurada amanhã com a promessa de impulsionar as pesquisas científicas brasileiras na Antártica. O número de laboratórios saltou de quatro para 17, abrangendo diversas especialidades, como meteorologia, biociências, química e microbiologia.

Os investimentos alcançaram US$ 99,6 milhões de dólares (R$ 407 milhões, no câmbio atual). O vice-presidente Hamilton Mourão acompanhará a solenidade marcada para a área externa e que deverá demorar aproximadamente 20 minutos.

— A nova estação significa um novo patamar de pesquisas na Antártica. Na península, é a maior estrutura de pesquisa. Tem 14 laboratórios internos e três externos, que permitirão um salto qualitativo enorme na pesquisa brasileira — diz o botânico Paulo Câmara, da Universidade de Brasília, que conduz pesquisas no continente e participará da reinauguração.

O presidente Jair Bolsonaro participaria da solenidade, mas, pouco antes do Natal, anunciou que não poderia visitar a Antártica devido a outros compromissos. Além de Mourão, são esperados os ministros Fernando Azevedo e Silva, da Defesa, Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura, e Marcos Pontes, da Ciência e Tecnologia. A comitiva deve chegar na manhã de terça-feira.

Demora na obra

A construção foi marcada por atrasos. A assinatura do contrato de construção com a empresa chinesa Ceiec, vencedora da licitação, só aconteceu em 2015, três anos depois do incêndio. Em 2016, a estrutura e os módulos começaram a ser fabricados na China.

A fase de montagem terminou em 2018. A inauguração chegou a ser anunciada para fevereiro de 2019, mas foi adiada. As obras ocorreram apenas durante o verão antártico, entre outubro e abril.

A estação receberá 30 pesquisadores — capacidade máxima do navio Ary Rongel, usado para chegar à península — logo após a inauguração. Ao longo do ano, 120 cientistas passarão pela base.

Câmara lembra, no entanto, que será necessário manter os investimentos após a inauguração. Os resultados dependem, explicou, de insumos e manutenção. Para o microbiologista Luiz Rosa, da Universidade Federal de Minas Gerais, a nova estação é mais completa.

— A nova estrutura tem laboratórios mais adequados à pesquisa antártica. Foi formatada para atender o planejamento do Programa Antártico Brasileiro( Proantar ) — diz Rosa, que trabalha na catalogação de fungos no continente.

As pesquisas científicas garantem ao Brasil o direito ao voto no futuro da Antártica. No passado, várias nações reivindicavam porções do território antártico de olho nas suas riquezas naturais. O Tratado da Antártica, selado em 1959, congelou reivindicações territoriais. Para participar das discussões, definiu-se que os países teriam que desenvolver pesquisas e se comprometer com a preservação ambiental.

O país assinou o tratado em 1975, abrindo espaço para a instalação da estação na Baía do Almirantado, na Ilha Rei George, em 1984.

Rosa avalia que a sociedade brasileira pode conhecer melhor a Antártica:

— O clima da Antártica interfereno do Brasil, o que afeta a agricultura. O oceano da Antártica interfere no Atlântico, no litoral brasileiro e na pesca. O Brasil tem que atuar aqui para conhecer o que a Antártica pode nos oferecer no futuro.