O Globo, n. 31570, 13/01/2020. Sociedade, p. 20

' A inteligência artificial precisa de uma linha moral'

Entrevista: Max Tegmark/ cosmólogo e professor do MIT


“Quando me perguntam se estou animado ou temeroso quanto ao futuro, digo que sinto os dois”. Professor do MIT e diretor do Future of Life Institute, em Cambridge (EUA), o cosmólogo sueco Max Tegmark defende que a inteligência artificial (AI) é uma realidade inescapável e que o momento é de construção do queremos delas.

— Esse futuro não está escrito. Depende da gente escolher o que vai ser —explica.

Tegmark é autor de mais de 250 publicações, além dos best-sellers “Life 3.0: ser humano na era da inteligência artificial” e “Nosso universo matemático: minha busca pela natureza definitiva da realidade”.

A entrevista foi feita durante a Cúpula para inovação na educação (Wise, na sigla em inglês) e falou sobre seu maior medo sobre o futuro, empregos que deixarão de existir, transformações escolares, e defendeu que estigmas sociais são mais potentes do que leis para combater abusos da inteligência artificial.

Do que você mais tem medo com a AI?

Não há limite para o que pode acontecer se otimizarmos as máquinas e elas puderem nos superar. Mas imagine, por um momento, o pior líder do mundo controlando AI. Como você se sentiria? Aprendemos com a História as coisas horríveis que acontecem mesmo quando alguns recusam as ordens desses líderes. Então imagine se os seguidores são máquinas que são completamente obedientes...

Você diz que não podemos ficar pensando no que vai acontecer, mas no que queremos que aconteça. Como isso funciona?

Esse futuro não está escrito. Depende da gente escolher o que vai ser. E temos que projetar uma visão positiva. Mas estamos fazendo exatamente o oposto disso. Olha o que fazemos enquanto espécie: vamos ao cinema assistir a filmes de ficção científica sobre o futuro e sempre é distópico. Se você passa seu tempo especulando sobre todas as doenças que pode ter e coisas ruins que podem acontecer com você, vai acabar em uma paranoia hipocondríaca. Não é a melhor estratégia. Com a AI, temos potencial de amplificar a inteligência humana e resolver problemas que estão emperrados.

Como quais?

Vamos pensar nos diagnósticos de câncer que consideramos incuráveis. Isso é besteira, é uma mentira. Eles são curáveis. Nós é que não somos inteligentes o bastante para descobrir a cura. Seria bom, então, amplificar a inteligência com a AI para descobrir como resolver esses problemas. Temos vários outros problemas: pobreza, clima... Temos quase oportunidades ilimitadas. Mas eu acho que estamos indo na direção oposta. O que está acontecendo é que está crescendo o desemprego e a desigualdade em muitos países. Os pobres estão ficando mais pobres, causando uma indignação coletiva.

A tecnologia é muito mais rápida que as leis. A AI já está quase presente, mas ainda falta regulação...

Esse é um problema muito grave. A tecnologia realmente está andando mais rápido do que as leis. A chave é criar uma linha moral, um estigma. Isso é muito poderoso. Mesmo se as armas biológicas hoje não fossem ilegais, há um estigma muito forte. Pessoas acham que elas são desprezíveis. A gente quer pôr nessa mesma categoria armas letais autônomas. Isso pode acontecer muito mais rápido do que as leis.

E esse estigma para os malefícios da AI já existem?

Ainda não. Há pouco tempo tivemos um ataque em campos de petróleo na Arábia Sauditafeito pord rones e também houve uma tentativa de homicídio contra Nicolás Maduro, da Venezuela, por esse tipo de armas. Você pode comprar isso legalmente. Queremos que as pessoas discutam isso, que as vejam como desprezíveis, que venham os banimentos internacionais, como às armas biológicas. Oestigmaé realmentea melhor for made criar essa linha do que é aceitável. E não só de armas, mas também de outros abusos, como manipulação de indivíduos e tantas outras coisas.

Quais carreiras desaparecerão com a AI?

Empregos previsíveis, repetitivo seque não envolvem contato com outros seres humanos. Algumas vão mesmo desaparecer, como motorista de caminhão e radiologista. Mas é importante saber que em praticamente todas as carreiras algum elemento do trabalho vai desaparecer. Isso significa que quase todo trabalho terá que aprender o que está acontecendo coma AI. Então, por exemplo, se tiver interesse em Medicina, não seja o radiologistaque será substituído pela máquina. Seja o médico que usa esse sistema de diagnóstico automático e discute o tratamento com o paciente.

O que a AI pode fazer pela educação?

Há várias maneiras de deixara educação melhor, mais individualizada, mais acessível. Mas não podemos transformara tecnologia em nova religião e substituir os professores por máquinas. Isso economizaria d in heiro,é verdade, coma demissão dos professores, e todos os estudantes na frente de um iPad. Isso, claro, não daria certo. É preciso encontrar um equilíbrio. Há muitas oportunidades. Criatividade é fundamental.

“Esse futuro não está escrito. Depende da gente escolher o que vai ser. E temos que projetar uma visão positiva. Mas estamos fazendo exatamente o oposto disso” 

Max Tegmark, cosmólogo e professor do Massachusetts Institute of Technology