O Globo, n. 31571, 14/01/2020. País, p. 7

Ex-senador recebeu caixa dois em cobertura em Ipanema, diz PF

Aguirre Talento


Planilhas e registros internos da empreiteira Odebrecht contabilizaram pagamentos em dinheiro vivo em endereços ligados ao exsenador Luiz Otávio Campos (MDB-PA), preso temporariamente na última semana pela Polícia Federal na Operação Fora da Caixa. Os dados da empresa constituem as principais evidências da PF contra o ex-senador, investigado por suspeita de captar caixa dois para a campanha de 2014 do atual governador do Pará, Helder Barbalho (MDB). Luiz Otávio foi preso na quinta-feira e solto no mesmo dia, após ser alvo de mandado de busca e apreensão.

Os recursos de caixa dois eram provenientes da construção da hidrelétrica de Belo Monte, segundo a PF, e fariam parte de um acerto das empreiteiras com políticos do MDB em troca de contratos da obra.

De acordo com relatório da PF obtido pelo Globo, houve pagamentos destinados a Luiz Otávio em dois endereços: uma cobertura em Ipanema, no Rio, ocupada por um sobrinho dele, e um apartamento em São Paulo onde também morava uma sobrinha do ex-senador. Nos registros da empreiteira, que eram usados como base para a programação das entregas de dinheiro, constam nomes dos sobrinhos de Luiz Otávio como possíveis recebedores dos valores. Segundo os registros no Drousys, o sistema interno de contabilidade paralela da Odebrecht, os pagamentos destinados a Luiz Otávio totalizaram R$ 4,5 milhões.

“Observa-se que, no total, a programação de pagamentos envolveu a quantia de R$ 4,5 milhões, dividida em entregas alternadas entre São Paulo e Rio de Janeiro”, diz o relatório da PF.

Alugada por amigo

A cobertura em Ipanema, localizada na avenida Vieira Souto, foi alugada por um amigo de Luiz Otávio a pedido dele próprio. Esse amigo confirmou à PF a transação e disse que era Luiz Otávio quem pagava as despesas, como o aluguel no valor de R$ 50 mil mensais. As planilhas da corretora de valores Hoya, responsável por realizar entregas de dinheiro para a Odebrecht, também registraram dois repasses no Rio a codinomes ligados a Luiz Otávio: R$ 500 mil para “Nevoeiro” em 2 de outubro de 2014 e R$ 500 mil para “Charuto” em 15 de outubro de 2014.

As entregas na capital paulista, pelos registros da Odebrecht, teriam ocorrido em um apartamento na rua Bela Cintra, zona nobre de São Paulo. Ele era alugado pelo mesmo amigo de Luiz Otávio que havia alugado o imóvel no Rio, Antônio Carlos Borges de Britto — casado com a irmã de Luiz Otávio. Em depoimento à PF, Britto admitiu que o apartamento era destinado à moradia de suas filhas, que eram sobrinhas de consideração do ex-senador.

Dentre as provas encontradas pela PF estão conversas entre os entregadores de dinheiro da Hoya e depoimentos deles de que estiveram no endereço em São Paulo para levar os valores destinados a Luiz Otávio. “São abundantes, portanto, os indícios de que os valores provenientes da Odebrecht chegaram às mãos de Antônio Carlos Borges de Britto, em diversas oportunidades, no endereço da Rua Bela Cintra”, escreveu a PF no relatório.

Ouvido pelos investigadores, Luiz Otávio Campos confirmou ter solicitado doações eleitorais aos empreiteiros de Belo Monte, mas negou ter recebido caixa dois. Em seu depoimento, ele afirmou que “todos os representantes das empresas informaram e condicionaram a doação ao devido registro perante os órgãos eleitorais” e que “na ocasião informou as contas para doações eleitorais aos pretensos doadores”. A defesa de Luiz Otávio não foi localizada para comentar o relatório da PF.

Antônio Carlos Borges de Britto afirmou à PF que não lembra se recebeu alguma das quatro parcelas de R$ 500 mil supostamente pagas pela Odebrecht a Luiz Otávio no apartamento em São Paulo, onde residiam suas filhas.

Na semana passada, o governador Helder Barbalho afirmou que não foi alvo da operação da PF e disse que só recebeu doações legalmente registradas na Justiça Eleitoral.