O Globo, n. 31590, 02/02/2020. Opinião, p. 3

Algo de novo no front
Bernardo Mello Franco


Ainda é cedo para saber quem serão os adversários do bolsonarismo em 2022. Mas a movimentação do governador do Maranhão, Flávio Dino, indica que há algo de novo no front da esquerda. Ele é filiado ao PCdoB, que nunca lançou candidato ao Planalto.

Maior partido de oposição, o PT permanece nas cordas desde a derrota de 2018. Mesmo com Lula livre, não consegue mobilizar as ruas nem incomodar o governo. Parte da paralisia é atribuída a Fernando Haddad.

Depois de receber 47 milhões de votos, o ex-ministro voltou à universidade e se distanciou dos eleitores. Limita-se a escrever artigos e comentar notícias no Twitter. Seu canal de entrevistas tem 27 mil inscritos, uma audiência irrisória diante de qualquer youtuber bolsonarista.

É neste vazio que Dino começa a se projetar como alternativa. Ele se reelegeu numa coligação de 16 partidos, que uniu o PCdoB ao DEM. Agora defende a montagem de uma frente ampla para impedir a reeleição de Bolsonaro.

O governador tem ampliado suas conversas para além da esquerda. Nas últimas semanas, esteve com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e com o apresentador Luciano Huck, xodó dos órfãos do PSDB. Também mantém contato frequente com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

No Maranhão, Dino destronou a família Sarney, que dominou o Estado por meio século. Em 2014, também derrotou o petismo. Lula preferiu apoiar o encrencado Lobão Filho, em nome da finada aliança com o PMDB.

Agora os petistas se esforçam para cortejar o governador. Em janeiro, Lula sugeriu que ele seria bem-vindo de volta ao PT, onde começou a militar na juventude. O ex-presidente nega ter feito um convite formal, mas a sondagem ocorreu.

Para aliados, Dino reúne características que podem arejar a oposição. Faz uma gestão popular, nunca se envolveu em escândalos e tem perfil conciliador. Antes de ser governador, ele foi deputado e juiz federal. Gosta de contar que passou em primeiro lugar no concurso que aprovou um certo Sergio Moro.

Para tirar a extrema direita no poder, o governador prega uma renovação de slogans e de estratégia. Ele já tentou convencer seu partido a mudar de nome, argumentando que o termo “comunista” voltou a soar como palavrão. Não conseguiu, mas vai testar outra saída nas eleições municipais.

Na quinta-feira, ele lançou o Movimento 65, que busca filiar “pessoas progressistas” para a disputa das prefeituras. Na nova logomarca, o vermelho do PCdoB dá lugar ao verde e amarelo, e a foice e o martelo são substituídos pela bandeira do Brasil.

Em vídeo para atrair simpatizantes, Dino fala em juntar “boas ideias, gestão eficiente e vontade” para “construir um Brasil melhor”. A conversa insossa deve provocar urticária na velha guarda do partido, que sonhava em transformar o país numa Albânia tropical.

O governador define a reciclagem como um mero “reposicionamento de marca”, sem abrir mão de princípios. Sua inspiração é a Frente Ampla uruguaia, prestes a deixar o poder após 15 anos de governos de centro-esquerda. O objetivo é convencer Lula a embarcar no plano, mas Dino também está disposto a tocá-lo sem o PT.