Título: Um pontífice controverso
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Fonte: Jornal do Brasil, 20/04/2005, Internacional, p. A9

Líder que se define como ''tímido e pouco prático'' é contra o homossexualismo e a integração da Turquia à UE

''Proclama a palavra, insiste no tempo oportuno e inoportuno, reprovando e aconselhando com toda a paciência e doutrina. Pois vai chegar o tempo em que já não se suportará a doutrina; pelo contrário, desejosos de ouvir novidades, os homens rodear-se-ão de mestres a seu bel-prazer (...). Quanto a ti, sê sóbrio em tudo, suporta o sofrimento, faz o trabalho de um anunciador do Evangelho''.

Os conselhos do Apóstolo Paulo resumem o modelo de vida do papa Bento XVI, recém eleito, segundo confessou o então cardeal no livro O Sal da Terra, publicado em 1997.

Nascido na Bavária, no pequeno vilarejo de Marktl am Inn, de 2.700 habitantes, o líder conservador alemão de 78 anos, que se define como uma pessoa ''tímida e pouco prática'', teve grande impacto no Catolicismo e no papel da Igreja no mundo. Fiel aliado e mentor de João Paulo II, Joseph Ratzinger deve proteger o legado do papa polonês e consolidar ainda mais a doutrina ortodoxa.

Antes da morte de seu antecessor, o teólogo dirigia a poderosa Congregação para a Doutrina da Fé, herdeira da Santa Inquisição, famosa pelas fogueiras e pelos autos-de-fé no fim da Idade Média. Apelidado de ''O Grande Inquisidor'' pelos partidários mais conservadores e de o ''Rottweiler de Deus'' pelos críticos, Ratzinger ficou famoso por se opor a qualquer elemento considerado progressista dentro da Igreja. É contra a ordenação de mulheres, o casamento de padres, o homossexualismo, o comunismo e a integração da muçulmana Turquia à União Européia. Foi responsável pela excomunhão de padres adeptos da Teologia da Libertação - como o brasileiro Leonardo Boff -, sugeriu que as paróquias não tenham crianças do sexo feminino auxiliando os padres nas missas e chegou a dar declarações dizendo que as outras crenças são ''atrasadas''. Os opositores ainda o acusam de ser um homem com pouco conhecimento do mundo e de insuficiente experiência pastoral.

Por outro lado, os partidários o qualificam como um intelectual e brilhante teólogo. De fato, Ratzinger fala 10 idiomas e já escreveu mais de 40 livros. Mas as qualidades do cardeal conservador não foram suficientes para que conquistasse apoio maciço para suceder o papa nem mesmo em sua terra natal. Segundo pesquisas de opinião realizadas recentemente pelo jornal Der Spiegel, quando o pouco carismático cardeal já despontava como favorito na imprensa, 36% de seus compatriotas se opunham à idéia de que fosse eleito pontífice e só 29% o apoiavam.

Mas parece que a obstinação de Ratzinger é antiga. A meta se tornar cardeal, segundo o irmão mais velho, Georg, foi traçada aos seis anos, quando da visita de um cardeal ao jardim de infância onde estudava. Aos 14, durante a Alemanha nazista, o jovem Joseph se tornou membro da Juventude Hitlerista, em uma época em que a adesão era compulsória. Ele conseguiu ser dispensado pouco depois para ingressar no seminário mas, mais tarde, entrou para uma unidade anti-aérea do Exército Nazista, até finalmente desertar em 1944.

O teólogo de fala mansa, filho de um policial, nem sempre nutriu as posições conservadoras de hoje. No início da carreira acadêmica, quando despontou ao dar aulas em Bonn, Tübingen e Ragensburg, Ratzinger defendia a abertura da Igreja Católica, argumentando que era demasiado centralizada e controlada pelo Vaticano. Mais tarde, as passagens que continham tais idéias foram retiradas dos livros que escreveu na época. O despertar para um posicionamento teológico mais rígido ocorreu, basicamente, durante a revoltas estudantis na Europa em 1968, quando o alemão, apesar de suas posições relativamente progressistas, foi atacado por estudantes de esquerda durante palestras por ser considerado muito conservador. Depois disso, se tornou um oponente do que chamou de a ''abertura acrítica da Igreja ao mundo e ao espírito dos tempos''.

- Quanto mais uma religião se assimila ao mundo, mais ela se torna supérflua - reforçou o então cardeal, em uma entrevista concedida no ano passado.

Em 1977, Ratzinger - que fez aniversário no último sábado - se tornou arcebispo de Munique e de Freising, momento em que também foi apontado cardeal pelo então pontífice Paulo VI. O sucessor de João Paulo II era um dos três únicos prelados - dos 118 - que não foram indicados pelo papa polonês. Apesar das enormes conquistas que o alemão tinha obtido até então, a mudança para Roma, em 1981, foi decisiva para sua carreira. A partir daí, começou a trabalhar de perto com Karol Wojtyla, com quem costumava manter conversas pessoais em alemão. Em 2002, foi escolhido para liderar a organização dos cardeais no Vaticano.