Título: Pontificado começa com críticas
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Fonte: Jornal do Brasil, 20/04/2005, Internacional, p. A9

No início do terceiro milênio, conservadorismo do novo papa é apontado como principal fator de restrição na Igreja

VATICANO - Esperançosa de que o próximo papa viria do Sul, a América Latina - que abriga 49,8% dos católicos do mundo - recebeu com uma ponta de amargura a notícia de que o conservador Joseph Ratzinger é o novo bispo de Roma. E a decepção parece ter se estendido a outros lugares.

- A Igreja terminou de se separar do mundo com a designação de um inquisidor como papa - reagiu o historiador e analista político Gerardo Caetano, diretor do Instituto de Políticas da Universidade do Uruguai.

Para Caetano, Ratzinger foi ''a pior escolha'', porque é ''ultra-ortodoxo'':

- O alemão rompe com a idéia de uma Igreja em equilíbrio. Foi ele quem ordenou a supressão do debate sobre o sacerdócio feminino e fincou pé numa moral sexual que o mundo não cumpre. Temos que lembrar ainda que era o candidato da conservadora prelazia Opus Dei.

- Ratzinger vai restringir a Igreja, especialmente na Europa e nos Estados Unidos, onde seu nome desperta muitas reservas - advertiu por sua vez o sociólogo Fabián Sanabria, diretor do Instituto Colombiano de Estudos Religiosos.

Thomas Groome, professor de Teologia da Universidade de Boston, diz que a escolha agrada à cúpula do catolicismo americano, mas não aos párocos:

- Os tradicionalistas ficarão muito felizes. No entanto, eles representam apenas 5% do total de católicos dos EUA.

Na América Latina a perseguição que o então cardeal e prefeito da Congregação para a Fé fez, durante os anos 80, contra os teólogos da libertação, deixou ''feridas muito profundas e não será fácil fechá-las'', acrescentou Sanabria

- Com Ratzinger será muito difícil esperar uma renovação que a Igreja quer - afirmou o sociólogo.

Opinião semelhante tem Jeffrey Klaiber, professor da Universidade Católica do Peru, segundo o qual ''o ideal seria um novo João XXIII, um papa consciente de que a Igreja tinha perdido contato com o mundo moderno''.

Eleito em 1958 após a morte de Pio XII, João XXIII causou surpresa convocando em 1962 o concílio Vaticano II, destinado a adaptar a Igreja aos novos tempos, como rezar a missa na língua nativa dos fiéis e não mais em latim.

- Uma modernização interna poderia dar mais credibilidade e tirar a Igreja da paralisia em que se encontra em certos temas, como o papel da mulher - avaliou Luis Pasara, especialista em questões religiosas da Universidade de Salamanca, na Espanha.

Christine Schenk, diretora da associação FutureChurch, que milita pela ordenação da mulheres, expressou sua ''decepção''. A ONG americana Força-Tarefa pelos Gays e Lésbicas também lamentou.

- Durante o reinado de João Paulo II, os pronunciamentos de Ratzinger geralmente usavam o termo ''mal'' para designar os gays. É inevitável que ele nos cause mais dor - disse Matt Foreman, diretor da organização.

Até dentro da Igreja há quem considere a escolha do alemão ''conservadora demais''.

- Esperamos que o Espírito Santo o ajude a mudar, que abra a Igreja à realidade - disse Jurandir Araújo, membro da sessão Afro-Brasileira da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.

Mas há também quem comemore a vitória de Ratzinger.

- Bento XVI lançará uma missão para fora e para dentro da Igreja e recuperará o espírito missionário, pois tem que voltar a evangelizar o Ocidente - assegurou o sacerdote e teólogo da Opus Dei, Josep Ignasi Saranyana.

Ele acredita ainda que o alemão estará ''empenhado na paz'' e que vai se envolver ''muito'' no conflito israelense-palestino e no Iraque.

- Ratzinger dialogará com a cultura moderna - acrescentou o religioso.

Para Mary Grant, líder do Grupo de Sobreviventes de Abusos dos Padres, nos EUA, uma ponto positivo é que ''Ratzinger parece preferir a punição à compaixão'' no que se refere à pedofilia:

- É crucial que o novo papa siga os dizeres de João Paulo II, de que não há lugar na Igreja para aqueles que machucam os jovens.

No entanto, o ecumenismo, outra marca do pontificado de Karol Wojtyla, estaria ameaçado.

- Não devemos esperar grandes aberturas ao protestantismo - disse Präses Buss, sacerdote da Igreja Evangélica na Alemanha.