O Estado de S. Paulo, n. 46558, 07/04/2021. Metrópole, p. A18

País supera 4 mil mortes em 24h e alta de casos indica piora, antes de trégua

João Ker


O Brasil ultrapassou ontem pela primeira vez a marca de 4 mil mortes por covid em 24 horas, com 4.211 registros, recorde na pandemia, mesmo considerando atraso em relatos por causa de feriados – e com letalidade em alta. Ainda com aumento de infecções após quase um mês de medidas mais restritivas pelo País e vacinação lenta, a crise sanitária deve piorar antes de dar trégua e o Brasil pode chegar a 5 mil vítimas diárias. Na contramão, outros países que tiveram número alto de óbitos – como Estados Unidos e Reino Unido – registram tendência de redução. A falta de coordenação das medidas de isolamento, dizem os cientistas, prejudica a contenção.

Com o novo recorde, o Brasil chegou a 337.364 mortes pelo coronavírus desde o início da pandemia, e outros 13.106.058 testes positivos em todo o País, dos quais 82.869 foram registrados entre segunda e terça-feira. Apenas em março, a média de mortes diárias pelo coronavírus no Brasil ficou em 2.147, transformando este no pior mês de toda a pandemia no País, segundo o consórcio de imprensa, que inclui o Estadão.

“Ao longo da última Semana Epidemiológica 13, houve uma aceleração da transmissão de covid-19 no Brasil. Com acúmulo de casos, diversos deles graves, advindos da exposição ao vírus ainda no mês de março, o vírus permanece em circulação intensa em todo o país”, destacou ontem o mais recente relatório do Observatório Covid-19 Fiocruz. Segundo os dados, foi observado ainda um novo aumento da taxa de letalidade, de 3,3 % para 4,2% – era 2% no fim de 2020. Os pesquisadores do boletim alertam que esse crescimento pode ser consequência do colapso do sistema de saúde.

Em contrapartida, a média dos Estados Unidos, que concentra a maior parte de vítimas da covid-19, ficou em 1.223 no mesmo período. Grande parte dos especialistas defende lockdown, restrição mais severa que só foi adotada por algumas cidades, como Araraquara, mas que viu redução significativa de doentes e mortes.

Domingos Alves, epidemiologista da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), prevê que ainda neste mês a situação se agrave, com expectativa de atingirmos um patamar de 100 mil infecções diárias. Os efeitos desses casos na quantidade de internações e óbitos ainda leva semanas para aparecer, por causa da evolução da doença.

O País tem registrado mais de 60 mil novos diagnósticos diários consecutivamente há 32 dias, maior patamar de toda a pandemia. Ao longo de março, foram mais de 2,2 milhões de pessoas que receberam a confirmação da covid, 63% a mais do que em fevereiro. A média diária passou de 56 mil casos em 1.º de março para 75 mil no último dia do mês, alta de 34%.

Segundo Alves, a média móvel de óbitos ainda deve chegar a 4,5 mil ou 5 mil mortes – diferentemente de outros locais. “Países com processo de vacinação mais acelerado que o nosso conseguiram controlar casos. No início do ano, a Grã-bretanha decretou lockdown e logo depois atingiu o seu maior pico. Em pouco mais de um mês, reduziram os casos de 60 mil para 5 mil por dia”, compara.

Há ainda o fator político. Especialistas ressaltam que a gestão Jair Bolsonaro assumiu postura negacionista, minimizando riscos e defendendo remédios sem eficácia. Além disso, atacou medidas de isolamento e demorou para comprar vacinas. Para o epidemiologista e pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz Paulo Nadanovsky, faltou ação coordenada entre os governos federal, estadual e municipal. “Resposta curta e simples: sim, se tivéssemos tentado fazer o que outros países fizeram, não estaríamos nessa situação.”

Para ele houve apenas reação de “mitigação” da crise. “E, quando isso começa a dar certo, as atividades voltam de forma muito rápida e antes de os casos terem caído drasticamente”, avalia. “Estamos lidando agora com o resultado desse relaxamento mais imediato, que aconteceu por volta de setembro e outubro, quando tudo parecia mais ‘tranquilo’.”

A pesquisadora da Fiocruz Adelyne Mendes Pereira também acredita que a única saída é um lockdown efetivo e duradouro. Países como Espanha, Inglaterra, França, Itália e Alemanha, destaca, adotaram essas restrições por uma média de 50 dias, para só depois verem cair as taxas de transmissão e fazer a retomada gradativa de atividades comerciais. Alguns deles, como França e Itália, tiveram de endurecer novamente as restrições nas últimas semanas. “Esperamos chegar a níveis alarmantes de ocupação dos hospitais e das mortes para tomarmos mais medidas restritivas.”

Cenário. Apesar de alguns Estados terem adotado medidas mais restritivas, como São Paulo, os especialistas são unânimes em afirmar que elas chegaram mais tarde do que deveriam. “Por mais que as medidas de agora deem resultado, a queda de mortes diárias é a última parte dessa equação”, avalia Adelyne. “Por isso, ainda vamos piorar antes de conseguir melhorar.” / Colaborou Marco Antônio Carvalho

Culpa

“Esse cenário mostra que o Brasil, em toda a história da pandemia, não adotou nenhum protocolo dos países que controlaram a epidemia. Essa situação tem culpado, e não é o vírus.”

Domingos Alves

Epidemiologista