Título: Presidente em exercício
Autor: Internacional
Fonte: Jornal do Brasil, 20/04/2005, Outras Opinões, p. A13

Não é muito precisa a comparação do desembaraço com que o ministro José Dirceu, chefe da Casa Civil da Presidência, oficiosamente encarregado da articulação administrativa, invade a área política, fala e dá ordens, impõe correções aos recalcitrantes, com a função de primeiro-ministro, típica e exclusiva do regime parlamentarista. Trata-se então do exercício oficial da chefia do governo, no presidencialismo ou na monarquia, do aprovado pelo Congresso, com poderes para derrubá-lo com a moção de desconfiança ou a simples derrota em votação de matéria relevante.

O ministro José Dirceu - com a mistura do estouvamento do seu gênio impulsivo com o cuidado em amortecer melindres presidenciais com o truque das freqüentes ressalvas de que a palavra final caberá ao presidente Lula - ocupa o vazio como um substituto no exercício da Presidência nas missões do titular.

A diferença é significativa. Não é a primeira vez, desde a redemocratização com a derrubada do Estado Novo de Vargas, em 29 de outubro de 1945, que eminências pardas, com maior ou menor visibilidade, suprem as deficiências de titulares preguiçosos ou incapazes. Nos quase 21 anos do rodízio de generais-presidente da ditadura militar, o chefe da Casa Civil, ministro Leitão de Abreu, com competência e discrição, cuidou da rotina maçante do papelório nos governos dos presidentes Garrastazu Médici e do Inesquecível João Figueiredo, depois da demissão do general Golbery do Couto e Silva.

Com significativas distinções: o presidente Médici não era um fanático do trabalho, delegou tarefas, mas tinha o senso militar da autoridade. E no melancólico final do governo Figueiredo, o presidente contava o tempo que faltava para safar-se do tédio de seis anos do infindável mandato com marcas de canivete na estaca da baia da Granja do Torto.

Vivemos uma situação singular, com os retoques do ineditismo. Não se pode acusar o presidente Lula de indolente. Ao contrário: é um inquieto que não pára quieto, está sempre inventando viagens domésticas ou internacionais, bate o recorde nacional do tempo de giros no exterior, pouco se demora em Brasília buscando motivos ou pretextos para as viagens no AeroLula de US$ 56,7 milhões - desqualificado pelo ex-presidente José Sarney na comparação como jato da Gol - para inaugurações de obras inacabadas ou as festas provincianas com direito a palanque e microfone para os improvisos do candidato em plena campanha da reeleição.

Lula passa em Brasília o menor tempo possível pela sua evidente impaciência com as clássicas e tediosas obrigações de despachos com ministros, secretários, assessores, pedintes de empregos e favores; as conversas sobre projetos, planos, encrencas; a leitura dos calhamaços de processos, a miudeza dos cavacos do ofício.

A mímica do governo substitui a clássica escravização a expedientes que entram pela noite e invade a madrugada. O presidente adora o espetáculo das reuniões ministeriais, quando os 25 ministros e secretários, mais assessores, líderes parlamentares superlotam os salões do Palácio do Planalto ou da Granja do Torto. Nada se discute ou decide: Lula despeja o improviso com tiradas bem-humoradas, anuncia novos planos para a retomada do desenvolvimento, cobra serviço dos outros e encerra o show para o churrasco da fartura, que ninguém é de ferro.

Não gosta e não sabe administrar. Não aprendeu nos muitos anos de amplos vagares, quando a sua ocupação conhecida era a de candidato do PT a quatro eleições. Erros fatais como o monstrengo ministerial são frutos da inexperiência.

Por enquanto, o presidente em exercício José Dirceu dá conta do recado. Com as limitações, os constrangimentos e os cuidados para não melindrar o titular.

Das muitas singularidades dos dois anos e quase quatro meses do governo Lula, a duplicidade de presidentes não chega a ser inédita, mas é a mais curiosa e marcante.

Se o candidato, com o PT rachado com quatro candidatos, por enquanto, a presidente do partido, está necessitado de um tema para a campanha da reeleição, que tal prometer, no segundo mandato, o pleno exercício da presidência do Brasil?