O Globo, n. 31573, 16/01/2020. País, p. 8

Presidente da Funai diz que vai processar indígena bolsonarista

Vinicius Sassine


O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Augusto Xavier da Silva, afirmou que entrará com um processo judicial contra a jovem indígena levada pelo presidente Jair Bolsonaro à abertura da Assembleia Geral da ONU, em setembro passado. A youtuber Ysani Kalapalo fez parte da comitiva de Bolsonaro em Nova York e foi apresentada pelo presidente, em seu discurso, como uma líder e um contraponto à liderança indígena brasileira mais conhecida no cenário internacional, o cacique Raoni Metuktire. Agora, o presidente da Funai promete acionar Ysani na Justiça por “ataques” à sua administração.

A confusão entre o presidente da Funai e a indígena a favor de Bolsonaro foi exposta pela própria youtuber, em vídeo publicado ontem. No vídeo, ela divulgou mensagens enviadas por Xavier via Whatsapp, com ameaças de interpelação judicial. Por meio da assessoria de imprensa, a Funai confirmou que as mensagens são verdadeiras e que o presidente do órgão vai ingressar com uma ação na Justiça contra a indígena, por considerar que é caluniado pela jovem que fez parte da comitiva presidencial em Nova York.

As mensagens enviadas por Xavier a Ysani citam uma interpelação judicial contra ela e contra o advogado Ubiratan de Souza Maia, ligado a grupos que defendem a liberação de mineração e de arrendamentos agropecuários em terras indígenas. O presidente da Funai diz não aceitar “ofensas” a seu nome e que reagirá aos ataques.

“O presidente da Funai quer me processar, quer calar minha boca”, diz Ysani no vídeo publicado. “Acompanho o trabalho da Funai desde 2009, indo a Brasília. Há muito tempo venho questionando as coisas que rolam na Funai. Faço críticas construtivas, dizendo o que ele deveria fazer em prol dos povos indígenas”, completou a indígena.

Incômodo na comunidade

Segundo Ysani, o principal incômodo do presidente da Funai foi com uma cobrança sobre a ausência dele em conflito entre produtores rurais e indígenas guaranikaiowá, em Mato Grosso do Sul. “Fiz uma ironia com o presidente da Funai. 'Cadê o presidente da Funai nessas horas? Ele não deveria estar trabalhando?'”, questionou a youtuber.

No vídeo, Ysani afirma ainda que o presidente da Funai “não está exercendo para aquilo que ele foi posto, que é combater as ONGs da Amazônia que exploram os índios”, fazendo referência à política anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro para a área em vários de seus discursos.

Na ocasião do anúncio de que Ysani integraria a comitiva de Bolsonaro na ONU, caciques de 14 povos indígenas do território do Xingu, em Mato Grosso, e a Associação Terra Indígena Xingu protestaram contra o convite à indígena, que faz parte da comunidade.

As lideranças divulgaram um manifesto contra a representação de Ysani na comitiva presidencial na ONU. Intitulado “carta de repúdio”, o documento diz que o convite a Ysani “demonstra mais uma vez o desrespeito com os povos e lideranças indígenas renomados do Xingu”.

Assessoria a ruralistas

Já o presidente da Funai é um delegado da Polícia Federal (PF) que tem um histórico de conexão com os ruralistas em Brasília. Marcelo Augusto Xavier atuou na assessoria a parlamentares ruralistas na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Funai, que investigou em 2017 a atuação do órgão e também do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

A CPI foi uma iniciativa da bancada ruralista. Depois de assessorar os ruralistas, o delegado foi nomeado ouvidor da Funai. Foi demitido em abril de 2018, após ter solicitado que policiais investigassem “invasões” de indígenas em áreas que reivindicam em Mato Grosso do Sul. Xavier assumiu a Funai em julho de 2019.